Whoopi Goldberg, 66 anos, atriz e apresentadora do The View, foi suspensa por duas semanas da atração televisiva após comentários considerados ofensivos sobre o Holocausto.
Embora tenha pedido desculpas, Goldberg despertou uma onda de cancelamento na segunda-feira (31) quando disse no programa que o genocídio de 6 milhões de judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial não foi sobre raça, mas sobre "a desumanidade do homem para com o homem" e que o conflito foi entre "dois grupos brancos de pessoas".
Após se desculpar no Twitter, ela foi suspensa do The View no dia seguinte, quando o programa convidou o diretor da Liga Anti-Difamação para um de seus tradicionais debates. A reação da apresentadora estimulou fortes reações e dividiu opiniões sobre se a atriz, politicamente liberal, deveria ser cancelada ou aconselhada.
Isaac de Castro, editor do Jewcy, uma plataforma online para jovens judeus, disse no Twitter que os comentários de Goldberg refletiam a incapacidade de muitos americanos de entender raça e racismo fora de seu prisma. Mas ele também escreveu que "colocar uma mulher adulta em castigo" faz pouco para avançar um acerto de contas com a identidade judaica.
— Agora estamos falando sobre se Whoopi deveria ser suspensa ou não em vez de falar sobre o assunto em questão... e ter uma conversa maior sobre antissemitismo e racismo e a complexidade da história judaica — disse Castro, que vive em Nova York e na Cidade do Panamá.
Muitos democratas apoiaram Goldberg, alguns republicanos proeminentes a condenaram enquanto outros republicamos correram em sua defesa. "Não cancelar Whoopi'', tuitou o senador republicano Ted Cruz, do Texas, que acusa a mídia de tentar silenciar a direita.
Alguns espectadores ameaçaram boicotar o programa pelo que a atriz disse e, outros, pela atitude da ABC contra uma mulher negra por comentários que não eram maliciosos.
— Whoopi fez um comentário sem fundamento, mas as pessoas pularam em sua garganta de uma maneira que não acontece com celebridades não negras — disse Malana Krongelb, bibliotecária de Boston que é negra e judia. — O The View tem uma plataforma que poderia realmente usar para educar a população. Mas, em vez disso, é quase usado como uma isca de cliques — acrescentou Krongelb.
Outros espectadores ponderam que a discussão é melhor do que a punição. "Se o que você quer é mudar a mente de alguém, a educação é mais eficaz do que a vergonha pública e a punição. Particularmente, quando sabemos que essa pessoa mostra uma vontade sincera de aprender e se desculpar'', tuitou o rabino Sharon Brous, de Los Angeles.
— O The View é um talk-show diurno americano no qual os apresentadores discutem tópicos candentes do dia. Eles são encorajados a serem provocativos, e recusar uma opinião meio que anula o propósito do programa — disse Tom Jones, redator-sênior de mídia do Poynter Institute.
— Seria bom se essas coisas nunca acontecessem, mas, se algo de bom pode sair disso, é: educação se constrói pelas pessoas tentando descobrir mais sobre o que disseram, e se perguntando o por que é ofensivo?" — acrescentou Jones.
Os defensores de Whoopi Goldberg recordam uma das ex-apresentadoras, Meghan McCain, que se desculpou no ano passado por tolerar, anteriormente, a retórica racista do então presidente Donald Trump em relação aos asiáticos.
Em uma coluna do Daily Mail publicada na terça-feira, a ex-apresentadora disse que não pede que Goldberg seja demitida porque não acha que o programa faria isso com sua estrela. Não ficou claro se McCain escreveu a coluna sabendo da suspensão, mas ela colocou seu pedido de desculpas para que fosse usado em um momento "ensinável".
"Em vez de desculpas meia-boca e trazer especialistas para discutir antissemitismo, talvez seja melhor dedicar um segmento inteiro de 'Hot Topics' para discutir por que o que foi dito foi tão profundamente ofensivo e perigoso", escreveu McCain.
Whoopi Goldberg explicou ao apresentador de talk-show Stephen Colbert, em um episódio que foi ao ar na noite de segunda-feira, que sua percepção de raça é baseada na cor da pele, mas que ela estava errada.
A atriz se desculpou novamente na manhã de terça-feira no The View e convidou Jonathan Greenblatt, CEO da Liga Anti-Difamação, para o episódio daquele dia para falar sobre o Holocausto. Ele disse em um tweet que apreciava muito o convite dela e que seu pedido de desculpas "é muito bem-vindo".
Ainda assim, o presidente da ABC News, Kim Godwin, anunciou a suspensão de Whoopi Goldberg na terça-feira. Na quarta-feira, a ex-diretora de comunicações do Partido Republicano Tara Setmayer conversou como co-apresentadora convidada e ninguém disse nada sobre judeus ou o Holocausto.
Ao anunciar a suspensão, a rede de TV ABC disse que pediu a Goldberg "um tempo para refletir e aprender sobre o impacto de seus comentários.'' A rede não respondeu aos pedidos de comentários na sexta-feira (5) sobre a reação do público à suspensão.
Goldberg fez seus comentários em meio à polêmica nos Estados Unidos sobre a proibição de um conselho escolar do Tennessee ao livro Maus, uma graphic novel vencedora do Prêmio Pulitzer sobre os campos de extermínio nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Contexto
Autoridades conservadoras de todo o país tentam proibir o acesso a livros como Maus e O Projeto 1619 - que coloca a escravidão negra e os negros americanos no centro da história dos EUA. O livro The Black Friend: On Being a Better White Person também está sendo contestado - segundo o autor, Frederick Joseph, porque alguns pais acreditam que a obra doutrina.
Segundo o escritor, "Goldberg estava vendo a questão da raça através das lentes de uma mulher negra nos Estados Unidos, e essas lentes não tinham conhecimento histórico do que o Holocausto realmente era". Ele completa:
— Mas também, para ser bem franco, como um americano negro, não aprendi muito sobre o Holocausto na escola, eu espero que Whoopi aprenda, espero que Whoopi cresça, mas como ela pode se não lhe dermos a oportunidade? — questiona Joseph.
Não é de hoje que marginalizados afirmam que crianças e adolescentes não recebem uma educação robusta nas histórias das culturas judaica, negra e outras. Malana Krongelb, a bibliotecária negra e judia, diz que o antissemitismo e o racismo têm muito em comum, com ambos os grupos sofrendo de estereótipos desumanizantes e compartilham uma história de exclusão nos EUA.
— Se nós simplesmente cancelarmos as pessoas por dizerem algo problemático ou por fazerem algo com o qual não concordamos, então esses os danos continuam — disse ela.
A Liga Anti Difamação afirmou que Greenblatt, diretor da entidade, não poderia comentar sobre a suspensão de Whoopi e apontou para um artigo de opinião escrito e publicado na quinta-feira no USA Today.
No texto feito pela Liga, fica clara a posição de que os comentários foram especialmente dolorosos, ditos justo quando a negação do Holocausto está aumentando globalmente e os políticos comparam falsamente as regras do uso de máscaras e incentivo às vacinas contra covid às ações nazistas, banalizando ainda mais o Holocausto.
As observações pareciam reconhecer o poder de audiência que Whoopi tem. "Ela tem uma tremenda oportunidade de usar sua plataforma não apenas para se educar, mas para compartilhar o que aprende com seu público e com todo o país".
(Com Associated Press)