Apesar do distanciamento social provocado pelo coronavírus, o público não deixou de acompanhar música, cinema e teatro. Com as lives e plataformas de streaming, um vasto acervo e uma diversificada agenda de atrações estão disponíveis a um toque do celular. Porém, o conforto do sofá da sala de estar não são compara à sensação de vibrar com a plateia diante de um show ou de ver o mundo de ficção se revelar bem diante dos olhos, em uma peça de teatro. E, por melhor que sejam a TV e o equipamento de som que alguém tenha em casa, assistir a um filme em um cinema é uma experiência sensorial coletiva, impossível de reproduzir na maioria dos lares.
Com saudade dos palcos e da salas de exibição, artistas gaúchos lembram qual foi a última vez que assistiram a um espetáculo ou a um filme no cinema. E também contam o que estão ansiosos para ver assim que o distanciamento social passar.
Na música
Joca Martins
O último show
"Gostaria de ir a mais shows, mas a agenda geralmente não permite. O último show que vi foi, na verdade, um circo. Fomos em família, em Santa Maria, assistir ao Circo Fantástico. Inclusive, a trupe está inovando. Logo depois que nós assistimos, eles iam para outra cidade, mas não deu tempo. Por conta da questão do coronavírus, tiveram que ficar ali. E agora estão fazendo sessões de circo em drive-in."
O primeiro que quer ver
"Quero ver o show do Diego El Cigala. Conheci o trabalho dele por meio do álbum Lágrimas Negras, realizado em parceria com o cubano Bebo Valdés. Sempre gostei de cantores flamencos, e meu irmão, Negrinho Martins, sempre me apresentou material da música oriunda de Cuba. Considero o Cigala um cantor excepcional, com um timbre diferenciado, que soube muito bem mesclar o flamenco com a música latino-americana. Por ser um cantor visceral, e eu gosto de cantores viscerais, admiro muito."
Mumu Bortholuzzi
O último show
"Pouco antes de tudo parar por causa da quarentena, a Vera Loca fez um show com o Marcelo Nova, em Venâncio Aires, e fiquei lá curtindo muito o show dele. Mas o último que fui por mim mesmo foi o do argentino Andrés Calamaro, no Opinião, ainda em 2019. Fui muito interessante. Ele misturou milonga com teclado, tocou os hits e tudo mais. Depois fiquei acompanhando ele muito. Está fazendo várias lives no Instagram, criando mash-ups ao vivo, baixando sons e misturando, fazendo letra nova em relação à quarentena. Estou curtindo muito."
O primeiro que quer ver
"O show que eu quero ver é o do Greta Van Fleet, que abriria o concerto do Metallica em Porto Alegre, mas foi transferido. Acho que é uma das melhores bandas desse novo rock."
Kledir Ramil
O último show
"Eu assisto a muitos shows, em geral de cima do palco. Pode parecer engraçado, mas é verdade. Parei pra pensar qual tinha sido meu último show antes dessa pandemia e lembrei que foi K&K + Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, com regência do Maestro Evandro Matté, na praia do Laranjal, dia 25 de janeiro. Foi uma noite inesquecível, não só pelo resultado musical maravilhoso. O que tornou a noite ainda mais especial é que Kleiton e eu fomos criados nessa praia. Ali passamos todas as nossas férias de verão, foi onde aprendemos a andar de bicicleta, a fazer serenata nas janelas das gurias e até hoje a casa dos Ramil é o lugar dos nossos animados encontros familiares, na época do Natal. Imaginem tocar ali, ao ar livre, na beira da lagoa, para milhares de pessoas, muitos amigos de infância... O coração aguentou firme, e a lembrança dessa noite vou levar comigo pra sempre."
O primeiro que quer ver
"Kleiton & Kledir + Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Casualmente estávamos a poucos dias de estrear outro show com o maestro Matté, quando surgiu este vírus e todos os espetáculos começaram a ser cancelados. Desta vez o espetáculo seria com a OSPA, no Araújo Vianna. A sinfônica completa, os arranjos do Dudu Trentin estão lindos... Este show seria a abertura de uma extensa programação que estava preparada para celebrar os 40 anos de K&K durante todo ano de 2020, entre eles uma temporada no TSP com um show especial comemorativo da data. Enfim, tudo foi adiado e, quando for possível, espero retomar as celebrações como havíamos planejado. Por enquanto, o melhor a fazer é ficarmos todos em casa, tomando cuidado e seguindo as orientações de vigilância."
No cinema
Rene Goya Filho
A última vez
"O tempo da quarentena proporciona um mergulho profundo nas nossas memórias. Lembro que a última sessão de cinema que vi foi do Bacurau, do Kleber Mendonça e do Juliano Dornelles, no Cine Bancários, aqui em Porto Alegre. Foi uma sessão lotada, com uma energia muito boa no ar. E nessa sala que é tão importante para a cena do cinema independente e autoral. A sessão teve suspiros, muitos emoções do público e uma longa salva de palmas no final. Uma viagem coletiva. Que saudade."
A próxima ida
"Quando isso tudo acabar, gostaria de ver muitos filmes. Gosto muito de ir ao cinema com o meu filho Franco, que tem 17 anos. Um deles seria certamente , Nardjes A., do Karim Aïnouz, um documentário sobre uma ativista durante as manifestações que aconteceram na Argélia em 2019."
Liliana Sulzbach
A última vez
"O último filme que vi no cinema deve ter sido o do Ken Loach, Você Não Estava Aqui, que achei muito bom. Foi com debate, no Cinebancários. Gostei porque aborda não só as consequências devastadoras das novas relações de trabalho, a tal da uberização do trabalho ou a "cultura do bico" e a falsa sensação de autonomia que essa situação proporciona. Também gostei porque trata de forma sensível como essa situação é encarada de forma diversa pelo marido e pela mulher."
A próxima ida
"Aguardo ansiosamente para assistir a dois filmes nacionais que tiveram seus lançamentos adiados em função da pandemia: Aos Olhos de Ernesto, de Ana Luiza Azevedo e Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e dDzer: Parou, da Barbara Paz, sobre Hector Babenco."
Kaya Rodrigues
A última vez
"Foi para ver o filme Disforia, do Lucas Cassales, que é aqui de Porto Alegre. Era um momento de apreensão. Havia dúvida se o vírus chegaria aqui com força. Então eu sabia que talvez fosse a última oportunidade de ir ao cinema nos próximos meses. Também foi muito intenso por ver Porto Alegre representada no cinema, na tela grande, traduzida de uma outra forma, uma forma que não é teu olho. A sessão foi na Casa de Cultura Mario Quintana, que é um lugar onde a arte acontece muito em Porto Alegre, onde fiz meu primeiro curso de teatro, quando tinha 11 anos. Essa despedida não escolhida acabou por trazer memórias afetivas para além do filme, que já seria uma grande experiência."
A próxima ida
"A gente precisa valorizar muito esse ritual de poder aproveitar a arte em grupo. Mesmo que a gente não conheça a pessoa ao lado quando vai ao cinema, estamos fazendo algo juntos. É algo que eu não pensava antes dessa pandemia se estabelecer e gerar tanta incerteza. Nesse período de isolamento, muita gente está se dando conta de como a arte é importante. Depois que isso tudo acabar, quero ver como nossos cineastas vão traduzir para a tela o momento que estamos vivendo. Bem antes do covid-19 ser pesado, gravei um filme com a Iuli Gerbase chamado Nuvem Rosa. É um filme que se passa em confinamento. Não foi pensado para a a pandemia mas se revelou profético. Também gostaria muito de ver na telona."
No teatro
Jair Kobe
O último espetáculo
"A última peça a que assisti foi Pq Casamos?!, com o Rogério Beretta e a Suzi Martinez, esposa dele. Assistimos juntos, eu e minha esposa, Silvia Helena, e a gente viajou na peça, porque trata de um casal, já casado há algum tempo, então vivenciamos alguns momentos encenados. Curtimos muito. A peça foi escrita pelo filho deles, Vitório Beretta, que soube muito bem retratar a relação dos pais. Ficamos com uma memória bacana porque nos identificamos muito. Gerou vários comentários. E a função do teatro é justamente provocar diálogo e boas lembranças."
O próximo
"Eu estava me programando neste ano para assistir mais a stand-ups. É um produto que está muito em voga no humor. Ainda não tenho esse conhecimento prático, de sentar e assistir a a stand-ups. Já assisti a alguns, mas gostaria muito de ver o novo do Cris Pereira, além de outros de fora da cidade, pois muitos começaram a visitar Porto Alegre."
Deborah Finocchiaro
O último espetáculo
"Foi um espetáculo daqui, chamado Intestino, do grupo Buraco da Fechadura, com direção da jovem e talentosa Gabriela Chaves, dentro da programação do Porto Verão Alegre 2020 na Sala Alvaro Moreyra. É um trabalho muito consistente e criativo que questiona muitos aspectos relevantes dos nossos tempos, como preconceito, homofobia e racismo. Foi realizado por uma equipe jovem e bem articulada. Viva o teatro!"
O próximo
"O espetáculo que eu iria assistir antes do "recolhimento"era Meu Quintal É Maior do que o Mundo, com a atriz Cássia Kis, em uma homenagem ao maravilhoso Manoel de Barros. A peça teve suas apresentações canceladas, nos dias 13 e 14 de março no TSP. O que foi informado pela produção era de que a atriz precisou de atendimento medico por apresentar quadro de febre, dores pelo corpo e tosse. Por decisão médica, foi aconselhada a não viajar de avião e a evitar contato com o público. E ali começou a nossa quarentena... Quanto ao que desejo assistir quando abrirem os teatros? Os próprios teatros abertos, plenos de arte e público!"