A rotina de um centro cultural no Brasil é inerentemente difícil. No caso do Theatro São Pedro, instituição de 160 anos que se tornou um dos maiores símbolos de Porto Alegre e da arte gaúcha, às barreiras comuns de verba, público e apoio estatal somou-se o sentimento de luto: exatamente um ano atrás, o teatro perdeu Eva Sopher, que por mais de 40 anos esteve à frente de todas as ações do São Pedro – de receber o público à porta durante as sessões a assumir responsabilidade sobre obras de reestruturação do espaço. Agora, no que ainda é considerado um período de transição na instituição, o Theatro São Pedro tenta, mais do que manter uma programação que respeite a memória de Dona Eva, ampliar suas ações.
– Estamos nos assentando. Uma das grandes preocupações da Dona Eva era a transmissão de poder. Nesta realidade de partidarização e polarização, ela defendia que o Theatro São Pedro fosse um projeto contínuo, algo que ela conseguiu, milagrosamente – resume José Roberto Diniz de Moraes, presidente da Associação Amigos do Teatro São Pedro há 20 anos.
Desde antes da morte de Eva Sopher, a instituição passou a ser tocada por gente de confiança da patrona: Antônio Hohlfeldt, seu biógrafo, tornou-se presidente da Fundação Theatro São Pedro, enquanto Dilmar Messias é diretor artístico e Luiz Gusmão, superintendente administrativo. A transição parece ter acontecido sem turbulências: em 2018, o Theatro São Pedro aumentou o número de espetáculos de 188 para 211 e viu crescer também o público, de 116 mil pessoas para 124 mil.
– Apesar da ausência da Dona Eva, não houve interrupção no trabalho. Gusmão e Dilmar já vinham trabalhando com ela e mantiveram, inclusive expandiram, a programação. Atualmente, trabalhamos com três pilares: grupos que solicitam o espaço para apresentação, espetáculos que procuramos por iniciativa própria, porque sabemos que são bons, e projetos nossos, como o Mistura Fina (que promove shows todas as quintas-feiras, às 18h30min).
Um evento nesta quinta-feira, às 19h, na Concha Acústica do Multipalco (um dos projetos que Dona Eva abraçou com mais afinco e que passou a se chamar Multipalco Eva Sopher no ano passado), vai homenagear a patrona. A Escola de Música Sol Maior, que revela jovens talentos, recebe o músico Hique Gomez, que por 30 anos se apresentou no palco do teatro com o Tangos e Tragédias, um dos espetáculos mais marcantes da trajetória do São Pedro.
É no Multipalco, uma das meninas dos olhos de Dona Eva, que residem grande parte dos planos do Theatro São Pedro para 2019. Com o primeiro projeto datado de 1986, o espaço já inaugurou sua concha acústica, onde podem ser realizadas apresentações, além de praça, restaurantes, estacionamento, área administrativa e salas de música. Sem verba para a conclusão, três pontos ainda estão no papel: a sala de dança, o teatro italiano e o teatro oficina.
Uma visita de Osmar Terra, ministro da Cidadania (pasta que engloba a cultura no governo federal), no início do ano, reavivou as esperanças de repasse de verba estatal para as obras – os cálculos dão conta de que faltam entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões para conclui-las. De acordo com Hohlfeldt, a proposta é de que o São Pedro torne-se uma instituição cultural e também pedagógica.
– A ideia do ministro Terra, que me agrada, é usar o Multipalco para espetáculos, formação de mão de obra artística e técnica e prestação de serviço para escolas e universidades públicas. Nosso desafio é buscar alternativas.
A Fundação realiza orçamentos com empresas especializadas, e o relatório deve ser apresentado ao governo até março.
– Queremos que seja um centro de capacitação de artistas. O ministério pode entrar com boa parte dos recursos que faltam. A ideia é que, até o fim deste ano, consigamos os recursos — disse Terra, em entrevista à Rádio Gaúcha, em janeiro.