Antes de se filiar à não muito sólida tradição dos filmes sobre o esporte que move as massas, O Futebol é mais um dos chamados "documentários familiares" realizados no Brasil. A boa notícia: é um dos melhores entre os vários títulos (Elena, Person, Diário de uma Busca) desse que já é um subgênero consolidado da produção nacional.
Estreia da semana no CineBancários, O Futebol é o filme do reencontro de um filho com seu pai. Ou Sergio Oksman, o diretor, brasileiro que vive na Espanha e havia 20 anos não via Simão, técnico em eletrônica que, ao que parece, vive de maneira solitária em São Paulo. "Ao que parece" é a chave aqui: o espectador não sabe detalhes da vida dos dois, nem mesmo o que houve para que ficassem tanto tempo sem notícias um do outro; a ideia do cineasta (de Goodbye, America e A Esteticista) é impor uma dose de mistério às tensões que vão se revelando entre eles.
O que o público precisa saber é dito pelo diretor-narrador em uma rápida apresentação do projeto, ao início dos 67 minutos de projeção. "Em abril de 2013, procurei o meu pai. Fazia 20 anos que a gente não sabia nada um do outro. Pedi que ele me levasse ao Estádio do Pacaembu, onde costumávamos ver os jogos do Palmeiras quando eu era criança", diz Sérgio, no filme. "Ali propus que nos encontrássemos novamente no ano seguinte e passássemos toda a Copa do Mundo juntos, do primeiro ao último jogo. Ele aceitou."
Tudo o que se vê, depois disso, está localizado entre 12 de junho e 13 de julho de 2014, período no qual foi realizado o Mundial. São raras as imagens dos jogos em si (há uma, na verdade, emblemática, perto do clímax). O que interessa a Sergio Oksman é o que está à sombra dos acontecimentos que pararam o país. São riquíssimas as sequências em que seu pai vê as partidas em botecos ou no pequeno aparelho de televisão instalado no que parece ser uma garagem, talvez subterrânea (algo absolutamente simbólico). São melhores ainda os planos que mostram suas expressões, o olhar profundo marcado pela resignação e algum cansaço.
Tudo funciona bem demais na narrativa enxuta de O Futebol. Especialmente na parte final, quando a tragédia dos 7 a 1 (a derrota do Brasil para a Alemanha na semifinal da Copa) de modo surpreendente ressoa na vida dos dois. Ali, as belas sacadas do diretor tratam de dimensionar os acontecimentos que se dão paralelamente no campo e fora dele. Desde quando Simão explica ao filho que os gritos vindos da Arena Corinthians parecem ser de "quase gol", e não exatamente de gol, o encadeamento de planos cuidadosamente dispostos demonstra domínio técnico e, consequência direta disso, emociona o espectador.
Somente ao fim você realmente se dá conta do quanto o esporte faz parte (fez, na verdade) daquela relação. O Futebol é um lamento em forma de filme; uma tentativa de resgatar o que é possível dessa relação a partir do pouco que restou dela – o futebol, ao menos na lembrança do filho. É autoficção que flerta com o drama por conta da encenação que Sergio promove, por exemplo, nos planos em que posiciona a câmera no carro. Nada tão radical quanto O Céu Sobre os Ombros (2011), de Sérgio Borges, ou Terra Deu, Terra Come (2010), de Rodrigo Siqueira. O Futebol é mais simples, e tão certeiro quanto os melhores documentários produzidos nos últimos anos no país.
O Futebol
De Sergio Oksman
Documentário, Brasil/Espanha, 2015, 67min.
Em cartaz no CineBancários, às 15h e às 19h.
Cotação: ótimo.