
O que se espera de um evento como a Bienal do Mercosul? Essencialmente, que renove nosso olhar, amplie nossa compreensão e adense nossa experiência com a arte. Isso envolve a dimensão contemplativa, a chamada fruição artística, mas também o exercício intelectual, que convida a refletir sobre a arte e a pensar com a arte.
Desde a ampliação global das bienais nos últimos anos, muito tem sido discutido o modelo de grandes mostras internacionais de caráter temporário, especialmente o papel desses eventos nos lugares onde se realizam, tanto para o meio artístico quanto para o público. O que movimentam e mobilizam? Com que qualidade e consistência? Que tipo de ambiente de conhecimento, trocas e experiências propiciam? E o que deixam no intervalo de tempo em que se realizam?
Daí o fato de que hoje qualquer bienal seja ela própria um objeto de discussão sobre o modelo bienal em si. No caso da 10ª Bienal do Mercosul, inaugurada em 23 de outubro e em cartaz até domingo, esse debate se instaurou antes mesmo da abertura. Nos meses que antecederam a mostra, a crise econômica e a alta do dólar impactaram na redução de orçamento (de R$ 13 milhões a R$ 7,5 milhões) e, consequentemente, na dimensão das ambições do projeto curatorial. A primeira lista tinha mais de 400 artistas e 700 obras. Dependente de empréstimos de coleções estrangeiras e de uma complexa logística de transporte, a Bienal do Mercosul encontrou uma alternativa ao buscar obras estrangeiras em solo brasileiro e trabalhos que pudessem ser enviados pela internet. A relação final, divulgada só na semana de abertura, trouxe pouco mais de 250 nomes e 600 trabalhos.
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Entre uma e outra lista, a Bienal do Mercosul viu uma crise interna ganhar repercussão pública após protestos nas redes sociais de artistas estrangeiros convidados que não teriam mais suas obras transportadas. As manifestações foram acompanhadas pelas renúncias de três curadores-assistentes (o argentino Fernando Davis, o chileno Ramón Castillo Inostroza e o brasileiro Raphael Fonseca), que se desligaram por contrariedades sobre a condução da mostra. Assim, na véspera da inauguração, a Bienal do Mercosul protagonizou a sua própria crise em forma de polêmica. O factoide pouco afetou os rumos da mostra, mas foi suficiente para um evento já longevo e reconhecido internacionalmente ganhar um retrato negativo na imprensa nacional e estrangeira.
Esta 10ª edição foi anunciada como um retorno às origens - à "sua vocação histórica", nas palavras do curador-chefe, Gaudêncio Fidelis. A retomada se inspira na primeira mostra, curada por Frederico Morais em 1997, dando foco à América Latina para discutir as condições em que a arte se manifesta fora dos grandes centros. Há 20 países representados; contudo, o que mais se vê nas mostras é uma grande quantidade de arte brasileira frente ao reduzido número de obras de artistas estrangeiros. Desde que afirmou que esta seria uma Bienal do Mercosul que "parte de obras e não exatamente de artistas", o curador-chefe sinalizou que a 10ª edição ganharia um formato museológico. Assim, o projeto apartou-se de modelos curatoriais processuais, colaborativos e experimentais mais sintonizados com a produção artística atual e ao modo como esta responde à vida contemporânea.
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Já faz algumas edições que a Bienal do Mercosul vem lidando com uma crise de identidade que coloca em questão o significado atual de seu próprio nome e o decorrente papel de uma mostra de arte contemporânea vinculada a uma delimitação geográfica, que é também cultural, política e econômica. Nos últimos anos, esse questionamento foi acompanhado pela ideia de uma Bienal mais internacionalizada do que estrita aos países ao sul da América. Em outras palavras, mais globalizada, chegando à sugestão, na 9ª edição, de que passasse a ser Bienal de Porto Alegre em vez do Mercosul.
Uma pergunta que esta 10ª edição deixa: e se, em vez de tentar manter em pé um modelo de evento ambicioso em proporções e discutível em sua contribuição e relevância, a Bienal do Mercosul tomasse as dificuldades trazidas pelas crises e a condição latino-americana de dependência à economia de mercado como um mote próprio a um evento geograficamente periférico no mapa global das artes?
Talvez pudesse ser essa uma vocação a ser assumida pela Bienal do Mercosul. Uma vocação consciente de sua posição à margem dos centros europeus e norte-americanos e capaz de oferecer uma resposta crítica frente às hierarquias e assimetrias de ordem geopolítica que regulam o sistema artístico internacional. É um ponto de discussão para uma bienal que mantém o nome de um bloco econômico que se enfraqueceu diante do rolo compressor da globalização e cujas promessas não se viu serem cumpridas.
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A 10ª Bienal do Mercosul começou no último sábado e segue até 6 de dezembro, com entrada gratuita. As exposições são apresentadas na Usina do Gasômetro, Margs, Memorial do RS (todos de terça a domingo, das 9h às 19h), Santander Cultural (terça a sábado, das 9h às 19h, e domingo, das 13h às 19h) Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (terça a sexta, das 10h às 19h, e sábado, das 10h às 18h) e Instituto Ling (João Caetano, 440, bairro Três Figueiras, segunda a sexta, das 10h30 às 22h, sábado, das 10h30min às 21h, e domingo, das 10h30min às 20h).