Um dos rappers mais importantes da música brasileira, Emicida acaba de lançar seu segundo disco. Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa... é a afirmação de um poeta que rima como poucos. No disco, o paulista de 30 anos experimenta: diminui a rotação em Passarinhos, um dueto com Vanessa da Mata, e diz que se influencia pela fusão do rap com samba feita por Rappin' Hood.
O show de Emicida em Porto Alegre está marcado para as 23h, no Opinião (José do Patrocínio, 834). Os ingressos, em segundo lote, custam R$ 55 (lote promocional) e R$ 100 (inteira), com desconto de 50% para estudantes, idosos e membros do Clube do Assinante ZH.
Confira a entrevista completa, concedida pelo rapper por e-mail:
O Brasil vem passando por um momento onde claramente se batalha por mais direitos às minorias. Qual é a importância da música nesse movimento?
A música sempre foi companheira da mudança. A cada tempo, poetas e artistas em geral usam a arte como voz para atrair olhares para pontos que consideram importantes, urgentes. Nessa linha de raciocínio, eu sou mais um que faz esse mesmo esforço. Música para mim é como uma terapia, eu grito nela o que acredito que preciso gritar pro mundo e é mágico ver que o eco disso encontra abrigo no coração de tanta gente, gente que, assim como eu, entende que o Brasil e o mundo precisam passar por um número imenso de mudanças sociais. A forma de combate a opressão mais intensa é o compartilhamento de sabedoria, de conhecimento, com a intenção de propagar a capacidade de empatia dos ouvintes. Minha música adquire uma interpretação política até quando ela não tem essa intenção, como foi o caso de Trepadeira (à época do lançamento, houve discussões sobre um possível discurso machista na letra da música), mas definitivamente não sou refém de tema nenhum.
No novo disco, você mudou a sonoridade de suas músicas. O single, Passarinhos, é uma MPB, com parceria de Vanessa da Mata. O que tem te influenciado nos últimos dias?
O que é MPB? Eu não sei te dar uma definição exata do que é isso. Tem vários artistas populares e brasileiros que não são considerados música pelo elitismo cultural que assombra nossa criatividade. Eu acho que muitas vezes falta referência para se fazer uma crítica profunda ao que está sendo feito no Brasil fora do lugar-comum. Passarinhos é isso, um rap com outra textura, uma das milhares que a gente construiu nesses 40 anos de hip hop mundial. Limitar isso a um termo vago como uma MPB é subjugar uma pesquisa muito maior. Acho que merecemos mais respeito. Isso não significa que eu considere uma ofensa ser caracterizado às vezes como MPB, mas gostaria muito que houvesse mais pesquisa nisso. Por exemplo, Wesley Safadão, MC Guimê e Dona Onete são MPB? Porque para mim os três são musicais, populares e brasileiros, mas não são contemplados ou reconhecidos como isso. Acho que é preciso parar de entender a música como linguagem binária, ou é um ou é zero. Podemos ser as duas coisas e podemos também não ser nenhuma delas, a arte é mais que isso, amigos.
Com Projota, Criolo, Rodrigo Ogi e você, o rap brasileiro parece ter chegado a um novo patamar. O que fez com que o rap conseguisse chegar ao mainstream e qual é a importância da geração anterior (MV Bill, Racionais, Rappin' Hood) para que isso acontecesse?
Minha geração tem uma relação diferente com os meios de comunicação, cada tempo tem sua linguagem. Foi isso que aconteceu nos anos 80, nos anos 90, nos anos 2000 e está acontecendo agora novamente. Sempre existem artistas que conseguem falar a linguagem do seu tempo. Nesse contexto eu sou um desses caras. Bacana você citar o Rappin' Hood, porque eu o considero fundamental no encurtamento das distâncias entre o rap e os gêneros que o cercam sem imaginar que fazem parte de nosso processo criativo. Pensei muito nele enquanto compunha o último disco e sempre com muita gratidão, porque ele foi o responsável por abrir muitas portas e autor da melhor fusão samba-rap na minha opinião, que é aquele dueto com a Leci Brandão. Vários manos fizeram, e muito bem por sinal, como o trabalho do D2, que é da hora, mas o que o Hood e a Leci alcançaram ali na Sou Negrão é algo profundo.
O público gaúcho sempre foi mais ligado ao rock do que ao rap. Porém, os seus shows fazem muito sucesso em Porto Alegre. Como você vê o público de rap do Rio Grande do Sul?
Eu tenho amigos no Sul, gente bacana que conheço e admiro há muito tempo. O rap gaúcho sempre foi importante no cenário nacional. Dali saíram Da Guedes, Lica e agora o Rafuagi e o Afrocalipse. Isso mostra que há uma força muito grande na cultura hip hop do sul do Brasil. Às vezes, a narrativa sobre nosso caldo cultural é limitada e acabamos tendo uma visão mais pobre do que nos rodeia. Não tenho dúvidas de que o rock é forte entre os gaúchos, mas o rap sempre esteve bem representado por essas terras também. Apenas não conta com o mesmo afeto da mídia, então precisa fazer dez vezes mais pra ser visto como igual.
Você já é um artista estabelecido, que conquistou o respeito de gente muito grande. Quem são os novos artistas que você vê surgindo com força no Brasil?
Eu tô no corre, construindo meu caminho, prefiro não pensar nesse lance de ser estabelecido, fico feliz pelo reconhecimento e pelo respeito que adquiri vindo de muitos dos ídolos da minha mãe e que também são meus. Mas há ainda uma grande jornada pela frente e eu sou o aprendiz. Música é dessas coisas em que a caminhada vale mais que o pódio. Gente nova eu indicaria pra você um menino do interior de São Paulo chamado Coruja, um grupo aí do Sul chamado Rafuagi, Rico Dalasam e uma menina chamada Mahmundi. Muito bons, todos eles!