O que têm a ver entre si o filósofo chinês Lao-Tsé, o Universo, Caetano Veloso, a Cabala, o Bóson de Higgs, a Bacia do Prata, o físico alemão Werner Heinsenburg, o induísmo, Deus, Vitor Ramil, o cosmólogo e matemático inglês John D. Barrow? Todos, e muito mais, estão nas páginas de Três Tiempos, surpreendente livro + DVD do cantautor uruguaio Daniel Drexler.
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O DVD reúne canções dos últimos três discos dele, Vacio (de 2006, com o qual se profissionalizou na música), Micromundo e Mar Abierto, gravadas ao vivo em um estúdio de Buenos Aires com um grupo de 10 instrumentistas uruguaios e argentinos liderados pelo pianista Dany López - que tem se apresentado com frequência em Porto Alegre. No livro, Drexler discorre em quatro ótimos ensaios sobre o processo de criação dos discos, e vai além, revelando sólida erudição.
São textos que combinam autobiografia e reflexões filosóficas. O primeiro sintetiza o que ele chama de "a crise existencial mais forte de minha vida": aos 33 anos, seguir a tradição médica familiar e fazer doutorado ou abandonar a medicina para viver de música. Antes de decidir, se deu conta de que ruía um edifício que construíra durante 15 anos e se viu sem vontade de fazer nada. Olhar a agenda em branco era algo para o que não estava preparado, e foi fazer análise. A sensação de vazio o leva aos livros de filosofia, daí a leituras sobre a importância da invenção do zero, e assim por diante. Os dois outros textos seguem mais ou menos nesse tom, incluindo leituras e mais leituras sobre Física, Geografia e História. O quarto ensaio é sobre o "Templadismo", termo criado por ele para o contexto correspondente à "Estética do Frio", de Ramil.
"Uma das coisas que mais amo na composição é que sempre estamos caminhando por uma trilha pela qual ninguém antes passou", diz Drexler em um dos textos. O DVD é isso mesmo. Uma fina seleção de belas canções interpretadas aqui-e-agora por músicos que se admiram e portanto dão tudo de si. Vacio, Sheiko, Lo que Siempre Fue, Descolgados, Cruz del Sur, Rinconcito, Mar Abierto
Candombe, zamba, latinidad, MPB, MPU, pop e jazz, na voz suave de Drexler que sempre guarda um ar melancólico. Os extras têm videoclipes originais de quatro músicas (como Full Time, de 2002) e um making of do álbum Mar Abierto na concepção "templadista", gravado na estrada, em Montevidéu, Buenos Aires e Porto Alegre, com a presença dos gaúchos Richard Serraria, Vagner Cunha, Lucas Kinoshita, Ângelo Primon e Zelito.
Música e filosofia
Juarez Fonseca: o lado escritor de Daniel Drexler em "Três Tiempos"
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
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