Obrigadas a cumprir a nem tão nova lei da meia-entrada, algumas produtoras gaúchas encontraram uma saída: dobraram o preço do ingresso inteiro, disponibilizaram meia-entrada pela "metade do dobro" e criaram um "lote promocional", com preço um pouco maior do que o praticado nos bilhetes inteiros de uma semana atrás. Abstratti e Opinião Produtora utilizaram-se do mesmo expediente, transformando, por exemplo, ingressos previamente anunciados a R$ 120 em entradas que custam quase R$ 300. Para Procon e Ministério Público (MP), as produtoras seguem fora da lei.
Nova lei deve encarecer ingressos e dificultar vinda de eventos maiores
Controvérsia sobre regulamentação impede que lei decole
Produtoras passam a cumprir lei da meia-entrada no RS
A Opinião tem apresentações de pelo menos dois artistas em Porto Alegre que tiveram seus preços modificados: os shows do rapper Criolo, nos dias 10 e 11 de junho, anunciados com ingressos de pista a R$ 60 (em primeiro lote, evoluindo para R$ 70 e R$ 80, em segundo e terceiro lotes, e um preço promocional de R$ 50), agora têm bilhetes vendidos a R$ 120, com lote promocional a R$ 70 e meia-entrada aos mesmos R$ 60 cobrados pelo ingresso inteiro dias atrás. Para o show do dia 11, os valores são maiores (veja imagem abaixo) Já para a apresentação da banda Angra, feita em parceria com a Pisca Produtora, que será realizada em 14 de junho, a entrada era vendida a R$ 50 no primeiro anúncio. Agora, a inteira custa R$ 120, o lote promocional, R$ 70, e a meia-entrada, R$ 60 - valor do segundo lote de dias atrás. A empresa foi procurada pela reportagem durante toda a tarde desta quarta-feira, por meio de sua assessoria e de sua direção, mas não deu retorno.
E-mail enviado pela produtora em fevereiro anunciado o show de Criolo:
Site em que os ingressos são vendidos, nesta quarta-feira:
- Não tem mais o que a gente fazer. Encaminhamos um relatório para o Ministério Público, e cabe a eles abrir inquérito ou entrar com ação civil pública. A gente já abriu processo e suspendeu a comercialização de ingressos, agora vamos dar seguimento e, caso não cumpram, serão multadas. Se não pagarem a multa, o Estado leva à Justiça e as empresas têm que pagar - garante a diretora-executiva do Procon-RS Flávia do Canto Pereira.
Flávia explica que é ilegal mudar um preço estabelecido anteriormente. Seria um descumprimento do artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor, que diz que "toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular". Ou seja: prometeu, tem que cumprir.
E-mail enviado pela produtora em fevereiro anunciado o show do Angra:
Site em que os ingressos são vendidos, nesta quarta-feira:
No caso da Abstratti, ainda há outro fator: a empresa resolveu liberar a compra de meia-entrada para qualquer um que levar sua carteira de trabalho ao ponto de venda ou levar doações no dia do evento. Mas há apresentações que sofreram mudanças de valores também. Para o show do Extreme, que toca em 16 de junho na Capital, os ingressos começaram sendo vendidos a R$ 120 (em primeiro lote, aumentando para R$ 140 no segundo e R$ 160 no terceiro), mas agora só podem ser comprados por R$ 280, com meia-entrada a R$ 140 e o tal lote promocional a R$ 160. Com o show do Blind Guardian, marcado para 6 de outubro, a ideia é a mesma, só mudam os valores: antes, R$ 120; agora, R$ 240, com lote promocional a R$ 140. Para Ricardo Finnochiaro, proprietário da empresa, essa é a única forma de dar o desconto exigido:
- É um período de adequação. Não podemos simplesmente tirar 50% do orçamento planejado. Para se adequar à lei, precisamos modificar o valor do ingresso, mas vai ser da forma que acharmos mais viável para executar o evento. Se as produtoras simplesmente reduzirem pela metade (o valor dos ingressos), vão quebrar e não vai mais ter show.
E-mail enviado pela produtora em maio anunciado o show do Extreme:
Site em que os ingressos são vendidos, nesta quarta-feira:
A T4F, que traz o Pearl Jam à Capital em novembro, não cumpre a nova lei nem as exigências de Procon e MP. Os ingressos são vendidos com base na lei municipal de Porto Alegre, que garante 20% de desconto. A diretora-executiva do Procon diz que a empresa não respondeu às solicitações do órgão e não enviou defesa - deve ser acionada pelo MP. A empresa disse que não irá se pronunciar sobre o caso.
Para o Ministério Público, tudo é novidade. O promotor de defesa do consumidor do órgão, Gustavo Munhoz, diz que não recebeu nenhuma informação sobre irregularidades desse tipo, mas que, caso sejam feitas denúncias ou seja comprovado o aumento depois do anúncio dos preços, irá atrás das produtoras.
- Se anunciou um preço, não pode aumentar. Não tenho nenhum elemento, mas, se aconteceu, é irregular e nós vamos atuar, sim.
Segundo o promotor, há uma reunião marcada com a diretora-executiva do Procon para sexta-feira, quando será discutida a questão. Um documento foi enviado pelo Procon ao MP, mas, segundo Munhoz, "não há nenhum dado concreto". Enquanto isso, o MP realiza reuniões com as produtoras para tentar chegar a um acordo. A proposta do órgão não é nada tentadora às empresas: que passem a cumprir imediatamente a lei e que reembolsem os consumidores que compraram ingressos vendidos sem meia-entrada após a aprovação do desconto. Até agora, nenhuma aceitou.