Pois então o Sfoggia partiu. Figura legendária na música de concerto de Porto Alegre, o Marcello Sfoggia. Dentista de profissão, era um apaixonado pela música.
Mas em vez de sair por aí dando opiniões furadas sobre música, Sfoggia decidiu se fazer útil. Aficionado da gravação de sons, da captura perfeita, ele se transformou num personagem indispensável: Marcello e suas máquinas, seus cabos e seus microfones, a se posicionar nas salas de concertos para registrar incontáveis apresentações ao vivo. Ou para ajudar músicos, também incontáveis, a transformarem seus trabalhos em vinis ou CDs.
Para quem foi a algum concerto em Porto Alegre, a lembrança do Sfoggia movimentando microfones no palco é inesquecível. Ele e a sua Luisilla, companheira da vida inteira, exímia enroladora de cabos e que no afã das gravações ficava com seus romances franceses. Ele e o engenheiro Marcos Abreu, que tantas vezes dividiu com Marcello os equipamentos e as obsessões. Equipe minúscula de resultados maiúsculos: depois, ia-se para o laboratório do Sfoggia, mistura de almoxarifado, museu e estúdio, e o efeito era sempre impressionante. Lá, nesse esconderijo de Professor Pardal, está conservada boa parte da história da música de concerto de Porto Alegre.
Não há instrumentista, cantor ou regente que não lembre do Marcello. Nem sempre as lembranças serão lisas, pois houve embates memoráveis entre ele e os músicos, discussões intermináveis sobre o posicionamento do microfone "x" - cinco centímetros para cá, cinco centímetros para lá. Minhas lembranças são todas agradáveis: gravar Erudito I no salão da PUC, com direito à aparição de fantasmas; ouvir o CD da Ospa e ficar impactado com o resultado da gravação; dirigir o registro de Prelúdios em Porto Alegre, da pianista Luciane Cardassi, na calada da noite, quando o tráfego era mais ameno em volta do Salão de Atos da UFRGS. Sim, o Sfoggia partiu e é provável que eu nunca esqueça sua voz característica me chamando a atenção: "Ôôôô, Chaves...!".