O trem chega. Você caminha pela plataforma. Pessoas caminham pela plataforma. Uma havia chamado sua atenção, mas ela se perderá ao entrar no outro segmento do trem. Dias, ou semanas, ou meses, ou anos depois, vocês voltam a se cruzar na mesma estação. Desta vez, dividirão o carro e talvez seus olhares se encontrem, mas a viagem dela não terá o mesmo destino que a sua, ela descerá antes que você possa perceber. Na próxima oportunidade, você poderá descobrir-lhe o cheiro, o modo como sorri, ela terá sentado perto, talvez você escute seu nome, enquanto a pessoa que entrou com ela lhe vota palavras de amor, indiferença ou ódio. Virá a vez em que ela estará muito próxima, mas será você a criatura absorta em pensamentos gerados por outra criatura, ali ou distante. À espada da sorte (ou do azar), vocês dois, um dia sentarão lado a lado. E haverá um reconhecimento e quem sabe um acidente, como dois corpos postos em rota de colisão. E vocês se farão companhia. E a natureza desamparada dos viajantes solitários será suspensa. E então haverá a leveza das conversas novas. Quem sabe suas pernas discretamente se encostem, e depois as mãos. Para além, a cabine em que vocês, isolados do mundo, flutuarão até o fim da viagem.
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Nós, esses passageiros. A vida feito inúmeras baldeações. Em nosso vagão há conhecidos, amigos, as pessoas que amamos, enquanto nós também podemos estar em seus vagões, até que os caminhos se bifurquem. No meio disso, os encontros amorosos, aleatórias intersecções que, racionalizadas, teriam a feição absurda daquele conto do Cortázar em que um homem segue transições programadas no metrô a fim de encontrar a mulher de sua vida. Não há transições programadas. Em um momento, chegamos cedo ou tarde demais à plataforma. No outro, experimentamos a simpatia de um olhar que se perderá ao desembarque. Depois, somos aqueles prontos para tentar quando o outro está fechado, depois fechados quando o outro está aberto às tentativas. Por fim, somos os que se encontram, esses que por um momento descobriram a felicidade, semelhante a um descarrilamento, esquecidos de quão curtos são sempre os destinos.
Coluna
Pedro Gonzaga: o trem (uma teoria)
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
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