Ganhei um pão caseiro recheado de goiabada. Voltava de uma demorada (e monótona) reunião de trabalho quando fui interceptado no corredor da Redação pelo menino da recepção.
- Mandaram este lanche para o senhor!
Recebi o pacote e senti que ainda estava quente. Procurei alguma mensagem anexada, mas nada constava. Perguntei ao garoto:
- Mas a pessoa não deixou nome? Não disse quem era?
Nada. A aparência do pão era maravilhosa. Corado, fofinho, irresistível. Tratei de conseguir uma faca e logo me pus a cortá-lo em fatias. Meus colegas de sala ainda fizeram aquela clássica advertência, em tom de gozação:
- Olha que pode estar envenenado!
Estava mesmo. Envenenado de afetividade, de carinho, da imensa ternura de quem dedica seu tempo e seu engenho à alquimia do pão. Uma preciosidade daquelas não surge ao acaso. É preciso que mãos mágicas misturem o fermento e a água, depois coloquem farinha, gordura e açúcar nas doses exatas. Por fim, há que sovar, deixar a massa crescer, colocar no forno e acompanhar o cozimento até um ponto capaz de satisfazer todos os gostos. Em algum momento desse processo, que desconheço, entra a goiabada e dá um sabor especial ao preparado.
Ao ouvir o primeiro "humm" de minha boca cheia, meus colegas se aproximaram e também participaram do banquete. Todos adoraram o pão anônimo, que chegou quentinho e de forma misteriosa no meio da tarde.
Jornalista, até pela natureza de seu ofício, deve mesmo flertar com a desconfiança. Nem sempre se pode ser mensageiro de boas notícias. Mas nem a madrasta da Branca de Neve se daria ao trabalho de preparar um pão tão gostoso para lançar o seu feitiço.
No final da tarde, um telefonema esclareceu o mistério. O pão com goiabada foi deixado na portaria por um parente próximo, que resolveu me surpreender com a gostosura preparada por sua esposa. Estava mesmo recheado de amor fraterno.
Coluna
Nílson Souza: Pão envenenado
Nílson Souza
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