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A busca pela partitura perdida de Benjamin Britten - uma orquestração tocada em piano de Chopin que ele compôs em 1941 para o balé "Les Sylphides" - veio parar em um depósito daqui.
Os pesquisadores vasculharam o edifício cavernoso, onde cenários e tutus da companhia American Ballet Theater hibernam encaixotados entre uma produção e outra. Um barco com um grifo na proa, de "A Bela Adormecida", estava deitado de lado, revelando alguns velhos baús com a etiqueta de "Agnes de Mille" e algo talvez menos intrigante - as atas das reuniões realizadas pelo conselho muito tempo atrás.
- Acho que pode estar aqui - disse David LaMarche, regente e diretor musical do Ballet Theater, enquanto puxava uma caixa de plástico transparente de uma prateleira inferior. Pouco tempo depois, ele e David Carp, bibliotecário da orquestra, viravam as páginas de uma orquestração sem créditos de "Les Sylphides", procurando indícios que sugerissem que aquelas podiam, de fato, ser as partes instrumentais da versão perdida de Britten.
O momento "eureca" aconteceu quando eles encontraram a segunda parte para trompete. Ali, bem no alto da página, uma série de letras maiúsculas proclamava: "ARR. DE BENJAMIN BRITTEN". A parte, compatível com a partitura de um regente encontrada sem etiqueta alguns meses atrás, sugeria que a versão perdida de Britten talvez tivesse sido mesmo encontrada.
Agora o Ballet Theater está esperando que os especialistas em Britten avaliem a partitura redescoberta. Se a autoria for comprovada - como alguns que já a viram dizem parecer provável, embora nem todos os fatores apontem para isso - o Ballet Theater planeja usá-la quando a companhia levar "Les Sylphides" ao Teatro David H. Koch, em Nova Iorque, neste semestre, trazendo-a de volta à vida a tempo da temporada do centenário de Britten.
- Estamos muito entusiasmados.Nós acabamos de publicar um catálogo de obras de Britten, e "Sylphides" é mencionada como desaparecida. Acho que seria ótimo se pudéssemos restaurar esse trabalho - disse Richard Jarman, diretor-geral da Fundação Britten-Pears, que vai examinar a partitura e se ofereceu para recriar as peças que faltam na obra recém-encontrada para a orquestra do Ballet Theater.
A caçada à partitura perdida de Britten, que desapareceu há algumas décadas, foi iniciada pelo historiador de dança David Vaughan, que lembrou com carinho de ver o Ballet Theater apresentar "Les Sylphides" para a orquestração de Britten em Londres, em meados dos anos 1950. Vários anos atrás, depois de Ballet Theater dançar "Sylphides" acompanhado por um arranjo de Roy Douglas, Vaughan escreveu para LaMarche e perguntou o que tinha acontecido com a versão de Britten.
Foi essa consulta que desencadeou a série de eventos que levou os pesquisadores a Secaucus.
- Foi uma espécie interessante de história de detetive. Apareceram várias pistas falsas no caminho - disse Vaughan, de 89 anos.
"Les Sylphides" é um balé abstrato, onírico e romântico composto para orquestrações em piano de Chopin que representou uma parte básica do repertório do gênero durante a maior parte do século 20.
Quando a caçada à partitura de Britten começou, até mesmo suas origens pareciam envoltas em mistério.
Algumas publicações sugeriram, erroneamente, que ela havia sido encomendada por Lincoln Kirstein, que fundou a Escola de Balé Americano, e, posteriormente, a Companhia de Balé da Cidade de Nova Iorque com George Balanchine. (Na mesma época, Kirstein de fato comissionou algumas orquestrações de Rossini de Britten para um balé de Balanchine, "Divertimento").
Essa teoria foi desmentida em agosto, quando Daisy Pommer, uma bibliotecária da Divisão de Dança Jerome Robbins da Biblioteca Pública de Artes Cênicas de Nova Iorque, revelou o contrato original de 29 de janeiro de 1941, no qual a Ballet Presentations Inc., que apresentava os espetáculos do Ballet Theater naquela época, ofereceu a Britten US$ 300 por uma orquestração de "Sylphides", assim como todos os futuros direitos sobre ela.
Encontrar a música não foi fácil. A editora especificada como tendo publicado a orquestração disse não ter registro dela quando LaMarche entrou em contato.
- Depois que chegamos a um beco sem saída, David Vaughan perguntou: 'Bem, gostaria de ouvi-la mesmo assim?' Marcamos uma reunião na biblioteca do Lincoln Center, fomos à sala de coleções especiais e assistimos um especial 'Ao Vivo no Lincoln Center' de 1978. 'Les Sylphides', naquela época já tardia, ainda estava sendo apresentado com uma orquestração de Benjamin Britten - contou LaMarche.
A biblioteca também tinha um LP de "Les Sylphides", com a orquestração creditada a Britten, gravada pelo Ballet Theater em 1950. Vaughan e La Marche escutaram a gravação juntos poucos meses atrás.
- Eu gostei dela - disse LaMarche, notando que ela era mais econômica do que a versão de Douglas, com um uso menos frequente do triângulo e com outro tipo de percussão.
Naquela tarde, LaMarche vasculhou as partituras da companhia novamente. Lá, ao lado da versão de Douglas, ele descobriu algo curioso.
- Eu nunca tinha reparado antes, mas ao lado dela estava uma partitura muito menor, que presumi ser uma cópia xerocada da de Roy Douglas, apenas reduzida. Foi então que a abri, e a gravação era completamente diferente. Entretanto, não havia nenhum crédito - nenhuma atribuição de autoria pelo arranjo. Olhei para ele e, como eu tinha acabado de ouvir a versão de Britten no Lincoln Center, reconheci algumas coisas. 'Bem, isso é diferente', pensei. 'Acho que foi isso que acabei de ouvir' - disse ele.
De posse da partitura recém-encontrada do regente, LaMarche se planejou para vasculhar o depósito de Secaucus. Lá, ele encontrou as peças compostas para os instrumentos. Somente a parte para o trompete mencionava Britten.
O capítulo final do mistério - com a solução definitiva desse romance quase policial - ainda tem de ser escrita. Philip Reed, editor-chefe do livro de cartas selecionadas de Britten, disse que o compositor, que havia manifestado interesse em localizar a partitura perdida no final da vida, ouviu uma cópia de um LP que pretensamente usava sua orquestração em meados da década da década de 1960. O veredito do regente suscitou dúvidas.
" Toquei o disco repetidas vezes, e embora haja algumas passagens que poderiam ser minhas, estou certo de que, tal como ele é, não é de minha responsabilidade", Britten escreveu em uma carta de 1966, sugerindo que a partitura de alguma outra pessoa poderia ter sido posta no lugar, ou que passagens específicas poderiam ter sido inseridas.
Não se sabe bem quando exatamente a versão de Britten caiu em desuso. O Ballet Theater continuou a empregar uma trilha atribuída a ele até 1978, a data em que transmitiu pela televisão uma versão de "Sylphides". Ormsby Wilkins, diretor musical do Ballet Theater, disse que os programas da companhia atribuíram regularmente "Sylphides" a Britten até 1972, mas a atribuição de créditos desapareceu no início em 1973. Não está claro quando exatamente a companhia parou de usá-la, assim como qual foi o motivo disso. Todavia, as companhias de balé nem sempre são puristas quando se trata de partituras, mesmo entre os balés canônicos: quando Mikhail Baryshnikov era o principal bailarino do Ballet Theater, o "Sylphides" da companhia alterou uma das Mazurkas para corresponder à versão do Kirov Ballet.
Jarman, da Fundação Britten-Pears, contou que gostava de ouvir uma versão creditada a Britten, embora ela não fosse imediatamente reconhecível como sua obra.
- É muito boa - suave, apropriada e bastante onírica. É elegante - disse ele.
Vaughan disse que espera ver o Ballet Theater dançando novamente a versão de Britten, que sempre foi a sua preferida. Ele se recorda de tê-la mencionado em uma análise de "Sylphides" na década de 1950.
- Eu me lembro de ter escrito que ela era uma 'orquestração delicada de Benjamin Britten'. Ainda acho que essa é uma palavra que funciona bem para descrevê-la - disse ele.