Na colina gramada, varrida pelo vento, onde os soldados do norte e do sul lutaram em uma das batalhas mais importantes da guerra mexicano-americana, o ruído do atrito entre a areia e o cascalho de uma mina ensurdece qualquer tentativa de contemplação.
Algumas guerras não são respeitadas. E esta, que Ulysses S. Grant chamou de a "guerra mais perversa" já travada, nunca foi particularmente estimada. Quantos habitantes do estado do Arizona que condenam a travessia ilegal da fronteira estão dispostos a lembrar de que suas atuais casas ficam em um território que já foi mexicano? Quantos mexicanos querem se lembrar da batalha perdida que se passou aqui e que eles deveriam ter ganhado?
No entanto, aqui nessas montanhas há lições - para o México e para os Estados Unidos - que dois aficionados em história mexicanos estão determinados a ensinar. Eles passaram anos coletando artefatos e agora estão lutando para preservar o local como um marco histórico, embora muitos pareçam não se importar com ele. Seu museu de três salas na cidade vizinha de Saltillo, inaugurado em 2006, costuma ficar tão vazio quanto uma casa funerária no intervalo entre velórios, um lembrete tangível do complicado passado que muitos americanos e mexicanos têm negligenciado.
- As pessoas não sabem o que aconteceu aqui - , disse Reinaldo Rodríguez, de 68 anos, planejador público aposentado, apontando para um diorama da batalha no museu, que fica atrás da catedral de Saltillo. - As pessoas não sabem que foi aqui que os irlandeses morreram ao lado dos mexicanos -
Eles eram chamados de São Patrícios ou Batalhão de São Patrício. Tinham todos imigrado recentemente para os Estados Unidos, tendo se juntado ao Exército do país e depois desertado para lutar junto com o México. A maioria era de fato irlandesa. Alguns vieram da Alemanha ou Inglaterra, e os historiadores dizem que eles fugiram por desgosto, fartos de um dos traços mais vergonhosos dos Estados Unidos: o preconceito.
"Uma das razões pelas quais tantas pessoas desertaram foi o fato de que elas eram católicas e sentiram que estavam sendo maltratadas pelos oficiais protestantes", disse Amy S. Greenberg, historiadora da Universidade Estadual da Pensilvânia.
Na época, na década de 1840, muitos americanos viam os católicos romanos como uma horda invasora e uma ameaça aos valores americanos. O ódio e a discriminação eram generalizados, e nas forças armadas, observam os historiadores, as fileiras reforçavam a intolerância: a maioria dos membros do Exército em tempo integral era de imigrantes pobres e católicos, enquanto os oficiais e voluntários em tempo parcial eram protestantes brancos bem mais abastados.
A guerra mexicano-americana também teve pouco a ver com princípios - historiadores de ambos os lados da fronteira a descrevem como pouco mais que uma disputa pela apropriação de terras - e a deserção já era um problema mesmo antes de o conflito começar. À medida que as tropas foram se concentrando no lado americano do Rio Grande, em 1845, dezenas de soldados, incluindo muitos imigrantes, desapareceram do outro lado da fronteira.
Os São Patrícios, cujo número aumentou até chegar a centenas, se tornaram os desertores mais famosos. Eles apareceram pela primeira como uma unidade em setembro de 1846, na Batalha de Monterrey. - Ninguém nunca tinha visto pessoas de outros países, especialmente europeus, comparecendo para ajudar o exército mexicano - , disse Rodríguez. E eles também eram durões.
- Eles se tornaram a força de combate mais eficaz que o México teve, em grande parte porque sabiam como usar os armamentos do Exército dos EUA - , disse Greenberg, autor de "A Wicked War: Polk, Clay, Lincoln, and the 1846 U.S. Invasion of Mexico" ("Uma Guerra Perversa: Polk, Clay, Lincoln, e a Invasão Americana do México em 1846", em tradução livre). Os São Patrícios tinham um talento especial para capturar os canhões americanos, acrescentou ela, - e para usá-los contra eles de forma incrivelmente eficaz -
Aqui, na batalha de Angostura, que os americanos chamam a Batalha de Buena Vista, os São Patrícios ocuparam um ponto perto da base da encosta, logo abaixo de onde a mina de cascalho pode ser encontrada hoje. Segundo a maioria dos relatos, eles encurralaram os americanos e os impediram de avançar por dois dias.
Todavia, isso não foi o suficiente. O comandante mexicano, general Antonio López de Santa Anna, recuou após o segundo dia de batalha em 23 de fevereiro de 1847. As suas tropas eram três ou quatro vezes mais numerosas do que as americanas, e muitos historiadores argumentam que os mexicanos estavam derrotando as fileiras dos soldados voluntários e regulares liderados pelo general Zachary Taylor, cujo estatuto de herói na guerra veio a levá-lo à Casa Branca.
Santa Anna fugiu de qualquer maneira, essencialmente desistindo da guerra pelo norte do México. Alguns historiadores têm teorizado que ele partiu porque seus soldados precisavam de comida e água, ou porque precisou resolver uma rebelião interna na Cidade do México. No entanto, Rodríguez afirma que o motivo foi um dos mais traços mais vergonhosos do México: a corrupção.
- Quando examinamos o ocorrido de perto, de fato parece que ele fez um acordo - , disse Rodríguez. - Isso resume toda uma problemática característica do México. -
Isso talvez ajude a explicar a luta para chamar mais atenção para a batalha. Rodríguez e seu sócio no museu, Isidro Berrueto Alanis, dizem que sonham com o dia em que esses montes serão um parque militar no qual americanos e mexicanos poderão caminhar juntos, assim como sulistas e nortistas passeiam por Gettysburg, na Pensilvânia.
Contudo, para muitos, o passado ainda atormenta as sensibilidades do presente. Quando a vodca Absolut publicou um anúncio no México há alguns anos com um mapa que mostrava a Califórnia, o Texas e grande parte do oeste dos Estados Unidos como pertencentes ao México, houve ameaças de um boicote entre os americanos, com muitos deles insistindo que a empresa estava defendendo a revisão das fronteiras ou a imigração mexicana em massa.
A exaltação diminuiu somente após a Absolut postar uma mensagem em seu site explicando que o mapa era simplesmente um retrato da América do Norte antes de 1848, - uma época que a população do México pode sentir ter estado mais próxima do ideal - .
O México também tende a ver a guerra através de suas próprias lentes estreitas. Alguns estudiosos afirmam que o conflito, ou a "invasão", como os mexicanos a chamam, unificou o país, estabelecendo um inimigo em comum e a lenda de uma oposição corajosa. No entanto, os moradores daqui da pequena cidade de La Angostura, como muitos de seus compatriotas, tinham dificuldades de explicar o que havia ocorrido a poucos passos de suas casas. Alguns apenas disseram que tinham orgulho de viver perto de um local associado com a coragem mexicana.
Berrueto, de 59 anos, diretor do Museu da Batalha de Angostura, tem buscado respostas mais amplas na área há anos. Vagando sozinho com seu próprio pequeno detector de metal sobre o terreno escarpado, ele encontrou muitos dos artefatos mais interessantes que agora estão no museu.
Há uma caixa de vidro, por exemplo, repleta de brincos quebrados, um lembrete de que as mães de muitos soldados jovens mexicanos insistiram em ir para a guerra com eles para que pudessem prestar socorro a seus filhos perto das linhas de frente.
No campo de batalha, a uma pequena distância de carro em direção ao sul, Berrueto e Rodríguez plantaram uma "árvore da paz" há alguns anos, no topo do cume principal. Balançando com o sopro da brisa, ela é um memorial mais sutil do que o pequeno monumento de pedra que encontramos ao descer a estrada, erguido décadas atrás, agora cercado por ervas daninhas.
Além disso, a cada fevereiro, eles escalam o local onde Santa Anna se posicionou, refazendo os passos dos soldados que morreram aqui às centenas. Ocasionalmente, a eles se unem funcionários do consulado irlandês e mexicano-americanos de San Antonio. Rodríguez, cujo pai nasceu no Texas, disse que aqueles eram alguns dos momentos mais felizes no local, porque eles eram uma lembrança de que "uma guerra sem contentamento" não precisa definir como será o futuro.
- Os norte-americanos que lutaram nessa guerra não são os mesmos norte-americanos que vivem lá agora - , disse ele. - Nós não queremos reviver essa guerra; nós só queremos nos lembrar dela. -
Cultura
Museu busca preservar a história da guerra mexicano-americana
Conflito foi um dos mais importantes registrados durante ó século XIX
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