Durante semanas, 14 balões gigantes escondiam as esculturas provocadoras. Foto: Natalie Naccache/NYTNS
![Natalie Naccache / NYTNS Natalie Naccache / NYTNS](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/15774051.jpg?w=700)
![](http://zerohora.clicrbs.com.br/rbs/image/12972650.jpg?w=700)
Durante semanas, 14 balões gigantes ficaram misteriosamente parados em frente ao Centro Médico e de Pesquisa Sidra, um enorme prédio de aço, vidro e cerâmica branca devotado à saúde da mulher e da criança, que será aberto nos arredores de Doha, no Qatar, em 2015.
Às 19h do dia 7 de outubro, ao som amplificado das batidas de um coração, membros da família real do Qatar, autoridades do governo e artistas locais observaram enquanto cada balão, banhado em luz roxa, desabrochava como uma flor gigante para revelar uma obra de arte pública extremamente provocadora. Chamada de "A Jornada Milagrosa", ela consiste em 14 esculturas monumentais de bronze feitas pelo artista britânico Damien Hirst, exibindo a gestação do feto dentro do útero, da concepção ao nascimento, terminando com um menininho anatomicamente correto de 14 metros de altura.
Até mesmo para um país do Golfo Pérsico que tenta entrar de forma agressiva na modernidade, essa instalação leva a aceitação da arte ocidental a um novo nível. As mulheres do país ainda seguem tradições islâmicas antiquíssimas, como vestir a abaya, um longo véu, e o niqab, ou a cobertura facial; imagens de mulheres são frequentemente censuradas em livros e revistas. Até mesmo a representação da forma humana é incomum.
A encomenda de uma obra de arte tão audaciosa é considerada uma ação drástica por parte da Sheika Al Mayassa bint Hamad bin Khalifa Al Thani, de 30 anos, diretora da Autoridade de Museus do Qatar e irmã do novo emir desse Estado rico em petróleo e gás natural. Afirma-se que as esculturas custaram US$ 20 milhões.
- Fazer algo desse tipo é menos radical do que exibir muita nudez - afirmou a sheika, entrevistada em seu escritório no Museu de Arte Islâmica, um espaço moderno e ensolarado com uma vista arrebatadora do golfo.
- Há um verso do Corão que fala sobre o milagre do nascimento. Não é contra nossa cultura, nem nossa religião - afirmou.
Na verdade, ela vê as esculturas como uma extensão de sua missão para criar uma plataforma para artistas contemporâneos de todo o planeta, transformando essa cidade repleta de arranha-céus imponentes e praias de areia fina em um centro cultural e artístico. Goste o público ou não, ela crê, "é importante que exista um diálogo aberto".
A autoridade dos museus também organizou uma retrospectiva gigante das obras de Hirst chamada "Relics".
Conhecida como uma das maiores forças da arte internacional de hoje, com um poder de compra excepcional e um pensamento avançado, a Sheika Al Mayassa é uma grande defensora da arte contemporânea e da educação artística. Ela foi criticada por ser desavergonhada, ou por só apoiar artistas celebrados, embora seja elogiada por muitas outras pessoas por seu compromisso com a arte do novo.
- Ela foi corajosa ao introduzir novos visuais e novos pensamentos, especialmente em Doha, que é mais conservadora que outras cidades do Oriente Médio - afirmou Nada Shabout, professora de história da arte na Universidade do Norte do Texas, que trabalha ao lado do Museu Árabe de Arte Moderna, em Doha.
- A maior parte do mundo árabe nunca viu a nudez em público. O sexo não é um tabu, mas é uma questão extremamente particular. Não tenho ideia de como o público irá reagir a essas esculturas. -
Em geral, o público não sai às ruas para demonstrar sua insatisfação e é improvável que depredem qualquer obra de arte pública. Na verdade, os habitantes da cidade geralmente tomam conta das mídias sociais, como o Twitter ou blogs. Depois que uma escultura de 4,9 metros de altura mostrando um jogador de futebol dando uma cabeçada em outro no Corniche, um famoso calçadão na beira da praia, algumas pessoas fizeram uma petição online por sua remoção, uma vez que a escultura do argelino Adel Abdessemed ofendia as sensibilidades religiosas. A sheika não se importa com as críticas, afirmando que a arte contemporânea é fundamental para a paisagem da cidade.
Propositadamente provocador, Hirst, de 48 anos, sempre foi controverso em seu próprio país, conhecido por obras arrebatadoras, como vacas podres colocadas em poses que sugeriam relações sexuais; tubarões e ovelhas preservados em formol; vermes atacando a cabeça de uma vaca; cabines de remédios cheias com centenas de tipos de drogas. Ainda assim, suas obras foram exageradamente expostas nos últimos anos nos Estados Unidos e na Europa.
Apesar disso, o artista fascina muitas pessoas em uma cidade como Doha. A Sheika Al Mayassa relembra a visita que fez ao estúdio de Hirst em Gloucestershire, na Inglaterra, em 2009, e de pedir que pensasse na criação de uma escultura ao ar livre.
Hirst mostrou alguns desenhos do desenvolvimento natal e pré-natal que havia feito em 2005, do esperma, ao feto, ao recém-nascido.
- Eu sempre imaginei que seriam esculturas monumentais e a sheika teve a ideia de colocá-las em frente ao hospital feminino - afirmou o artista. O título completo da instalação é "A Jornada Milagrosa (de 2005 a 2013)".
Essa foi uma encomenda envolta em segredos.
- Na primeira reunião que tive com os arquitetos, não podia dizer o que as esculturas seriam, porque queriam que fosse uma surpresa - recordou. A maior parte do trabalho, que levou três anos para ficar pronto, foi realizado em seu estúdio na Inglaterra.
![](http://zerohora.clicrbs.com.br/rbs/image/15774046.jpg?w=700)
Não há mais nenhum segredo sobre elas agora: ele posicionou as esculturas de modo a serem visíveis tanto da estrada, quanto do deserto. Juntas elas pesam um total de 216 toneladas.
Vestindo uma camiseta branca e jeans puídos, Hirst observava os trabalhadores enquanto davam os retoques finais em sua retrospectiva no Al Riwaq, um prédio inclassificável - que agora foi recoberto com os pontos coloridos típicos do artista - e que fica ao lado do Museu de Arte Islâmica, projetado por I.M. Pei e inaugurado em 2008.
Hirst afirmou que ficou fascinado com a infância depois de ter o próprio filho.
- Todo mundo fala sobre a jornada de nossas vidas, mas há uma jornada toda que acontece antes mesmo do nascimento - explicou.
Tanto Shabout, quanto Zainab Bahrani, professor de arte e arqueologia do oriente próximo na Universidade de Columbia, destacaram que a imagem de mulheres nuas se banhando foram comuns ao longo de toda a história da arte islâmica - por exemplo, em antigos manuscritos iluminados. Entretanto, nenhuma dessas imagens estavam sob as vistas de toda a população da cidade.
- As pessoas não têm ciência de que há uma longa tradição com esse tipo de imagem - afirmou Shabout.
Bahrani disse:
- Acho bom que a arte nos deixe desconfortáveis, que seja capaz de desafiar nossos conceitos. Por outro lado, não é bom chocar. Então, o limite é muito estreito. -
Para a Sheika Al Mayassa, esse é mais um passo no processo de introdução da arte em Doha. Ela já planeja a abertura de dois novos museus na cidade: o Museu Nacional do Qatar, projetado por Jean Nouvel, e o Museu Orientalista, projetado pelos arquitetos suíços Herzog e Meuron.
Embora a sheika não confirme nem negue o valor aproximado das obras de Hirst, ela disse que esse "não é um número exagerado".
- Para nós, o importante é o quadro geral - afirmou. Com um sorriso maroto ela acrescentou que "embora ele negue, acho que o bebê é Damien. Ele se parece com ele."
Quando os ventos bateram poucos dias antes da inauguração, o balão que escondia o bebê estourou acidentalmente. Hirst, que estava em Londres no momento, recebeu um e-mail da Sheika Al Mayassa dizendo:
- Acho que seu bebê quer sair mais cedo. -