

Em uma manhã recente, a romancista Rachel Kushner esteve na garagem do Museu Automotivo Petersen, onde o Green Monster, um veículo enxuto, com turborreator, usado para marcar recordes de velocidade terrestre, era exibido em um canto isolado por um cordão. Em seu novo romance, aclamado com inúmeras críticas positivas, "The Flamethrowers" ("Os lança-chamas", em tradução livre), que se passa na década de 1970, a narradora dirige o exato mesmo veículo no deserto de sal de Bonneville, Utah, onde os recordes são marcados.
Quão estranho é colocar uma personagem do sexo feminino dos anos 1970 em uma máquina veloz projetada para chegar a quase 805 km por hora? - Baseei essa cena em algo que realmente aconteceu em 1965 - disse Kushner.
Em seguida, ela descreveu a forma como o piloto Craig Breedlove convenceu a esposa, Lee, a levar um carro até o deserto de sal para inviabilizar a participação de um de seus concorrentes, que esperava correr naquele dia - Lee Breedlove chegou a 496,49 km por hora - disse ela - Isso fez dela a mulher mais rápida do mundo.
São a mesma velocidade e o mesmo recorde alcançados pela narradora de Kushner, Reno. Mas o fascínio de Reno com a velocidade faz parte de um projeto ainda mais traiçoeiro: mudar-se para Nova York para se tornar artista em um momento em que a cena da metrópole era tanto machista quanto ligada a um impulso revolucionário, com protestos que beiravam a violência.
A arte da pintura está morta, o minimalismo está em decadência, e os artistas estão sacrificando o próprio corpo e a própria vida em prol de ideias e gestos que possam surtir algum efeito. Aos 23 anos, Reno - tentando capturar "a experiência da velocidade", fotografando as rotas que percorre com a sua motocicleta no deserto de sal - começa a namorar um velho minimalista italiano, herdeiro de uma empresa de pneus e motos chamada Moto Valera. Com ele, ela pode participar de eventos chiques, como um jantar no qual ela percebe que, apesar das "reivindicações feministas e da aparência esclarecida" da anfitriã, há a expectativa de que as mulheres ajudem na cozinha.
- Reno é uma narradora convincente e comovente porque Kushner dá a ela a vulnerabilidade e a falta de clareza da juventude, sendo que a personagem, ao mesmo tempo, raramente pensa ou diz coisas banais - escreveu Dwight Garner no New York Times, acrescentando que a prosa da romancista - se assemelha à de visionários de alma castigada, como Robert Stone e Joan Didion.
Kushner, de 44 anos, tem a intensidade descontraída de uma bailarina. Durante o almoço no Museu de Arte do Condado de Los Angeles, em frente ao Petersen, ela refletiu sobre a situação das mulheres no mundo da arte da década de 1970.
Embora "The Flamethrowers" seja povoado por um elenco inventado de artistas, comerciantes e bajuladores - o que me realmente me inspirou foram artistas intensas como Lee Bontecou, Eva Hesse e Yvonne Rainier e a incrível Lynda Benglis - disse ela - Havia muitas mulheres realmente motivadas, que se tornaram bem-sucedidas e fizeram parte das mudanças de paradigma essenciais, apesar do fato de que o mundo da arte ainda era dominado por homens.
Kushner nasceu em Eugene, Oregon, filha de pais boêmios que faziam doutorado em biologia e passavam longas horas no laboratório. Por um tempo, a família, que incluía um irmão mais velho, morou em um ônibus que parecia ser de uma comunidade hippie.
- Nossos pais tinham doutorado, mas éramos crianças sujas e meio jogadas - lembrou ela - Eu passava muito tempo sozinha. Sonhava acordada. Aprendi a não me sentir solitária mesmo estando sozinha.
O pai de Kushner, cuja família judia de Nova York fazia parte do Partido Comunista, colecionava poesia beatnik e dirigia uma motocicleta Vincent Black Shadow. Sua mãe, que, contou Kushner, chegou a dormir no Central Park durante todo um verão, é de uma família de unitarianos de St. Louis, que morou por um tempo na Cuba pré-revolucionária. O avô de Kushner trabalhou para uma empresa de mineração de níquel no país, o que serviu como inspiração para seu primeiro romance, "Telex From Cuba" ("Telex de Cuba"), indicado para o Prêmio Nacional do Livro dos EUA em 2008.
Aos 16 anos, Kushner se matriculou na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde se formou em economia política, correu na equipe de esqui e conseguiu boas notas mesmo se sentindo despreparada academicamente e socialmente, contou ela. Para ajudar com as contas, trabalhou como garçonete em um bar de blues, onde era, muitas vezes, a única pessoa branca presente.
- De alguma forma estranhamente natural, sou levada a mergulhar em meios cujas regras não entendo, onde há coisas que não podemos acessar simplesmente por sermos inteligentes ou irmos bem na escola - disse ela.
Após a faculdade, ela trabalhou para um produtor de shows e começou a andar de moto, morando em um galpão adaptado repleto de motos antigas. Ela dependia das pessoas que dividiam a moradia com ela para ajudá-la na manutenção da sua Moto Guzzi - Eu tenho um enorme respeito pelas pessoas que têm talento para mecânica - disse ela.
Essas experiências ajudaram Kushner a bolar a situação que Reno enfrenta quando tenta, e muitas vezes não consegue, decifrar os códigos sociais do SoHo da década de 1970, bem como a alta burguesia do norte da Itália da família de seu namorado e a cena alternativa de protestos de Roma - Se o escritor tentar criar um narrador que emita um tom de sabedoria completa o tempo todo, a personagem pode se tornar falsa - disse Kushner.