Os 50 anos da personagem Mônica, criada por Mauricio de Sousa em março de 1963, são, mais do que um aniversário, a comemoração de bodas de ouro com o público. Após meio século, a menina dentuça ainda habita o imaginário dos leitores brasileiros.
A baixinha invocada nasceu coadjuvante nas tiras do Cebolinha, mas, garota de personalidade forte, logo tomou conta do pedaço, a ponto de hoje a "turma" ser dela e cada revista que leva seu nome vender uma média de 200 mil exemplares por mês. Uma turma que vive a simples aventura da infância em moldes hoje difíceis de serem encontrados nas grandes e populosas cidades brasileiras: jogam bola de gude, roubam frutas dos quintais, passeiam livremente por um bairro seguro, a vizinhança do Limoeiro.
- O Limoeiro se tornou para o pessoal das cidades algo como o Nirvana: um Éden em que ainda se concentram coisas boas como a família, a segurança, o afeto, as amizades - resume o criador da turma, o paulista Mauricio de Sousa, 77 anos.
Para marcar o meio século de coelhadas, os estúdios Mauricio de Sousa estão preparando a migração de Mônica e seus amigos para outras mídias e outras terras. Um dos projetos em desenvolvimento é uma nova leva de desenhos para TV, com episódios dublados em mandarim e em inglês. Para abril, está prevista a estreia de um musical (com atores de carne e osso, claro) chamado Turma da Mônica no Mundo de Romeu e Julieta.
- Muitos anos atrás, já pusemos esse espetáculo no teatro e foi um sucesso, mas depois nos distanciamos disso. Agora, vamos voltar para essa área. Meu filho Mauro de Sousa resolveu utilizar as possibilidades do contato dos personagens com o público, que é uma coisa mágica - conta o desenhista.
Por telefone, de seu estúdio em São Paulo, ele conversou com Zero Hora:
Zero Hora - Mônica está completando 50 anos lida por mais de uma geração e seguindo firme no imaginário do público. Que balanço o senhor faz desse meio século da personagem?
Mauricio de Sousa - Eu quase estou imitando na vida real o que acontece nos quadrinhos da turma: o tempo é infinito, não passa. Acho que conseguimos com a Mônica misturar um pouquinho a ficção com a realidade. A ficção é o personagem criado, a realidade é que o personagem se plantou nos hábitos do leitor criança ou agora adulto, e virou quase um parente, um amigo. Montei uma estrutura de continuação do trabalho, de criação e recriação, que tem nos ajudado a manter os leitores e, depois de um tempo, a alcançar os filhos desses leitores. O personagem passou de mãe para filho e depois para o neto... Estamos entrando na quarta geração de leitores a acompanhar a turma, e alguns fatores ajudaram bastante nesse processo.
ZH - Quais fatores?
Mauricio - Primeiro, a minha presença permanente no estúdio comandando a equipe desde sempre. Segundo, os cuidados que temos para falar a língua do dia, da hora, do leitor, a língua brasileira e, ao mesmo tempo, universal, as mensagens, o fato de a história não ser agressiva, ter um estilo alegre e divertido, com pitadinhas de sugestão de comportamento, de bons costumes, de fraternidade, camaradagem. Naturalmente, como os personagens puxam muito para o lado humano, eles também têm seus pecadilhos. A Mônica é enfezada de vez em quando, o Cebolinha já deveria estar falando certinho com a idade que tem, o Cascão tem aquela idiossincrasia dele com a água que é condenável, mas em qualquer família todos nós temos um período de Cascão. Então, penso que esses cuidados e as oportunidades que mantivemos de comunicação com o leitor permitiram esse meio século de vida vivida e convivida.
ZH - A vida que as crianças da turma da Mônica vivem no bairro do Limoeiro é de um tipo que está cada vez mais raro nas grandes cidades, com brincadeiras ao ar livre, aventuras pelos arredores. A infância mudou desde a criação das personagens?
Mauricio - Mudou nas grandes cidades. Mas tenho viajado pelo interior do Brasil e ainda encontro muitas "Vilas do Limoeiro" em vários cantos. Infelizmente, é um tipo de vida que sobrevive apenas nas pequenas comunidades, mas penso que, no íntimo, cada cidadão, cada leitor gostaria de ter de volta esse tipo de vida ou vai se identificar porque ainda lembra de ter vivido esse tipo de vida em algum lugar do Brasil. O Limoeiro se tornou para o pessoal das cidades algo como o Nirvana: um Éden em que ainda se concentram coisas boas como a família, a segurança, o afeto, as amizades.
ZH - Em sua opinião, o que atrai para os gibis da Turma da Mônica as crianças das grandes cidades, que já nasceram em uma realidade diferente dessa infância que talvez os pais delas ainda se lembrem?
Mauricio - Penso que, nesse caso, a criança que não viveu esse tipo de infância instintivamente gostaria de viver em um lugar como o Limoeiro. É o momento do afastamento de perigos, de sensações de insegurança ou de vácuos familiares. É um ideal. Alguns podem dizer que é uma fuga, um escapismo para um lugar irreal. Mas não, não é irreal. Primeiro, porque a gente gostaria, sim, de ter tudo isso mesmo, e segundo, porque ainda existe por aí. Então, penso que, se continuarmos dizendo para a criança que é possível a fraternidade, o convívio, que é possível um dia tirar o sapato e brincar de pé no chão, que é possível subir em uma árvore e buscar uma fruta, estaremos com iss o tudo indo ao encontro do próprio instinto do ser humano, que quer essa liberdade.
ZH - O que o senhor está preparando para este ano do cinquentenário?
Mauricio - Tem muita coisa sendo planejada e até mesmo sendo realizada depois de anos de trabalho. Nós vamos nos voltar pesado para os grandes espetáculos teatrais. Vem aí um grande musical super-requintado chamado Turma da Mônica no Mundo de Romeu e Julieta, baseado em um especial em quadrinhos da turma que publicamos adaptando a peça. Muitos anos atrás nós já pusemos esse espetáculo no teatro e foi um sucesso. Depois, nos distanciamos da área. Agora vamos voltar a investir nessa área. Meu filho Mauro de Sousa resolveu utilizar todas as possibilidades do teatro no palco, do contato dos personagens com o público de teatro, que é uma coisa mágica. Estamos planejando muita coisa para o teatro, e o grande momento será esse Romeu e Julieta, em abril. Além disso, estamos produzindo muitos desenhos animados ainda não lançados para televisão, em um esforço direcionado ao mercado internacional. O material já está sendo dublado em inglês e em mandarim.