Fairfield, Connecticut - Bem no meio do palco do Centro Quick de Artes da Universidade Fairfield, David P. Schmidt olhou furiosamente para o público através de seus óculos antes de se lançar em um monólogo corrosivo, carregado de palavrões, de "Glengarry Glen Ross". O personagem que interpretava, Blake, é um gerente de alto gabarito que sai do escritório para inspirar um grupo de vendedores de imóveis promovendo um concurso: o primeiro prêmio é um Eldorado. O segundo, um conjunto de facas. Mas quem ficar em terceiro é demitido.
Nessa encenação da peça lançada por David Mamet em 1984 - Blake foi pinçado da adaptação cinematográfica de 1992 - os vendedores a quem Blake intimida ficavam atrás de Schmidt. Em vez de falar com eles, ele direcionava o discurso diretamente para o público, fazendo contato visual para aumentar o nível de desconforto.
Os ouvintes estavam acostumados a ver Schmidt falar. A maior parte deles, afinal, eram alunos de graduação da Universidade Fairfield, e muitos assistiam a suas aulas sobre ética nos negócios ou direito empresarial. Mas nunca o tinham visto assim.
- Alguns dos meus alunos me disseram que eles ficaram assustados ao ver o seu professor de ética interpretando esse papel - disse Schmidt mais tarde. - Eu acho que isso desafiou as suas expectativas ou seus estereótipos. E isso pode ser um processo de aprendizagem.
Como uma colaboração entre as escolas de artes, ciências e negócios da universidade, a produção, apresentada em outubro, era parte do programa de estudo de algumas turmas de negócios, economia, filosofia, comunicação e política. Um curso de ciência política adotou uma visão marxista, discutindo a obra como um emblema do lado negro do capitalismo. Um curso de filosofia sobre o existencialismo examinou a forma como os personagens perderam de vista seu verdadeiro eu. Professores de negócios focaram tanto nos problemas éticos quanto nos problemas práticos do escritório retratado na peça.
A apresentação de "Glengarry", sobretudo, teve como objetivo dar aos alunos da Universidade Fairfield, muitos dos quais já estão preocupados em encontrar uma vaga de trabalho em uma economia desacelerada, uma ideia de uma dura realidade: um mundo onde eles podem se encontrar sujeitos a gerentes abusivos que os colocam um contra o outro, com o risco de demissão estando sempre no ar.
- Falamos muito sobre preparar as pessoas para o mundo lá fora e sobre encontrar um emprego, mas não falamos muito sobre como vai ser lá fora - disse Alistair Highet, diretor da peça e editor da revista de ex-alunos da universidade. Para levar essas lições de maneira mais plena aos seus alunos, Highet designou a interpretação da maioria dos papéis principais a membros do corpo docente: pessoas que os estudantes conheciam de um contexto diferente. Além de Schmidt, Donald E. Gibson, reitor da escola de negócios, interpretou John Williamson, o gerente do escritório, e dois professores de filosofia, Dennis Keenan e Ryan Drake, interpretaram os vendedores que disputam o concurso, Shelly Levene e George Aaronow.
Outros papéis foram interpretados por membros do Núcleo do Ator, uma companhia com sede em Bethlehem, uma cidade próxima no Estado de Connecticut, que deu um toque próprio à peça: tanto Richard Roma, o mais agressivo e bem sucedido dos vendedores, e seu cliente, James Lingk, foram interpretados por atrizes, Kelly Briney e Melora Mennesson. (Os nomes dos personagens foram alterados para Ricky e Jamie.)
- Quando decidimos que a Kelly deveria interpretar o Richard Roma - explicou Highet, - isso significou que Lingk deveria ser uma mulher também. - Em parte, disse ele, o objetivo foi garantir que a cena em que Roma vende um imóvel para Lingk não fosse vista como uma questão de dinâmica sexual - "uma mulher usando suas artimanhas para conseguir o que queria", como ele disse.
- Mas eu também queria respeitar o texto de Mamet, então preservei os pronomes masculinos tanto quanto pude - acrescentou. - Roma fala sobre si mesma como um homem em um mundo de homens, e Levene diz: 'Roma é um homem bom, sabemos que ela é'. Eu gostei do efeito que isso gerou, e das perguntas sobre gênero no ambiente de trabalho que o elenco trouxe à tona. Mas isso foi um bônus.
No ano passado, em sua primeira tentativa de utilização de uma única peça como base para um estudo interdisciplinar, a Universidade Fairfield apresentou "Paz perpétua", do dramaturgo espanhol Juan Mayorga, sobre o uso da tortura na guerra contra o terrorismo, em uma tradução de Jerelyn Johnson, professor do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas.
Foi na festa do elenco desse espetáculo que Gibson, reitor da escola de negócios, propôs encenar "Glengarry".
- Eu vejo essa peça como um conto moral - disse Gibson, cuja especialidade é estudar a raiva sentida por funcionários de empresas. - Os ambientes de trabalho podem ser assim. Mas eles não têm de ser.
Recentemente, em sua aula de ética nos negócios em uma manhã de quinta-feira, Schmidt chegou rapidamente ao ponto.
- O ambiente de trabalho retratado na peça", perguntou ele a seus alunos, "é um lugar onde você gostaria de trabalhar?.
Ao ver que nenhuma mão foi levantada, Schmidt mencionou que em outra classe, os alunos que tinham realizado estágios lhe disseram que tinham trabalhado sob condições semelhantes e odiado, mas que a concorrência também lhes empolgava.
Ao fim da aula de 90 minutos, ele deixou claro o que esperava que os estudantes levassem da experiência.
- O que vocês viram na peça foi uma empresa - e meu personagem em particular - forçando o sistema até o seu ponto de ruptura - disse ele. - É possível ganhar muito dinheiro fazendo isso, se o custo imposto às pessoas não for levado em conta. Mas a regra central da ética é não fazer mal aos outros. E nesse caso, fez-se mal para um monte de gente.
Deirdre Gallagher, do terceiro ano da graduação, disse que aprecia a oportunidade de observar uma dinâmica entre escritórios ser encenada, mais do que apenas ouvir falar a respeito.
- Aqui vimos uma coisa que pode acontecer na vida real - disse ela.
Mas Jerry Bivona, também aluno do terceiro ano, achou que faltou equilíbrio na peça.
- Não havia nada de ético na forma como esses personagens se comportavam -disse ele. - Eu queria que eles pudessem ter encontrado uma peça que também tivesse um elemento positivo.
Lisa Tkach, estudante do segundo ano, contou que seus colegas da disciplina de filosofia falaram sobre como os personagens de Mamet abandonaram os ideais e a moral de sua personalidade em nome da competitividade nos negócios. Eles também concluíram, disse Tkach, que o uso de palavrões por parte do dramaturgo servia para retratar a sua degradação.
- À medida que um vendedor se tornava mais corrupto, o linguajar usado por ele ia se tornando mais profano - explicou ela em um e-mail. Mas ela também observou: - É ainda mais estranho que a maior parte da turma tenha ficado mais surpresa com a quantidade de palavrões do que com as ações imorais reais dos personagens.
Gibson e Johnson disseram que esperam continuar integrando o teatro aos seus outros planos mais gerais para o curso. E Schmidt, embora não tenha certeza quanto a se assumiria outro papel de interpretação, disse esperar que o programa continue.
- Nós vamos ao teatro não apenas para nos divertir - disse ele - mas para aprender e, mais profundamente, para aprender sobre nós mesmos. Estamos aproveitando isso para fazer conexões explícitas com nossas aulas. Eu acho que essa é uma inovação muito grande.
The New York Times
Universidade americana usa encenação de peças para ensinar economia, filosofia, comunicação e política
Produção teatral é parte de programa de estudo que conta com a colaboração de escolas de artes, ciências e negócios
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