
Uma das tragédias mais encenadas de Shakespeare, Macbeth foi escrita no início do século 17, quando mulheres não podiam representar - os papéis femininos cabiam a homens.
Por vicissitudes do processo criativo, a versão do diretor Gabriel Villela, que estará em cartaz de sexta a domingo, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, investe em oito atores homens que interpretam cerca de 20 papéis.
A escolha se deu, em parte, pela impossibilidade de Ana Paula Arósio participar da montagem,como explica Villela:
- Naquele instante, já estávamos fazendo workshops, e o Claudio (Fontana, ator) apresentou um trabalho maravilhoso sobre a presença física do feminino composta por homens. Acabou ficando uma coisa estranha,misteriosa.
Coube a Fontana o papel de Lady Macbeth, a mulher que estimula o protagonista vivido - por Marcello Antony - em sua escalada sangrenta ao poder. Não é a história de um homem essencialmente mal; antes, é um ensaio sobre como a virtude de um general é progressivamente maculada pela ambição. Macbeth é capaz de sentir dúvida, mas a certa altura não consegue evitar a série de crueldades em busca do trono. A profecia de que Macbeth se tornará rei é conhecida na célebre cena das três bruxas. Esse dado sobrenatural,na expressão do diretor,é um dos pontos de interesse da peça hoje:
- Vivemos em um mundo de pragmatismo, em que não há mais espaço para divagações esotéricas,místicas. Isso é um desafio para um ator que tem de compor um personagem que se apresenta como bruxa,por exemplo. Que voz utilizará? Que maneira de andar?
Assim como fez na elogiada montagem de Romeu e Julieta, com o Grupo Galpão, Villela busca, em Macbeth, uma dimensão poética do texto de Shakespeare, uma maneira de se distanciar do academicismo.
- A academia costuma dar muito palpite na criação. O teatro de Shakespeare não é de tese, mas de poesia - diz o diretor. - A academia está muito chata. Estou falando
da realidade de São Paulo e do Rio,não sei como é a relação da academia com o teatro em Porto Alegre.
Foram cerca de três meses de ensaio, segundo o ator Marcello Antony. Ele observa que a ambição é o grande tema do texto,motivo da ruína de Macbeth:
- Fizemos um trabalho profundo de entendimento da peça. Foi assim que criei os alicerces para o personagem. Macbeth é picado pelo mosquito da ambição,a mulher o instiga e não segura a onda. Mas ele vai em frente, atropelando tudo.Sabe que se dará mal,mas vai até o fim.
Com tradução de Marcos Daud,a produção busca um meio-termo entre o rebuscado e o coloquial.
- Começamos os ensaios com traduções de Barbara Heliodora e Manuel Bandeira, muito poéticas - lembra Antony. - Mas, na hora de levar para cena, não encaixaram na nossa embocadura.A do Marcos é apropriada para chegar à plateia sem perder a poesia de Shakespeare.