Bob Dylan fez duas passagens memoráveis por Porto Alegre. O primeiro show, realizado em 1991, no Gigantinho, ficou marcado por versões quase irreconhecíveis de seus grandes hits. O segundo, pela chance de ver Dylan a poucos metros de distância, no palco do Opinião. O Segundo Caderno convidou dois fãs do bardo americano para relembrarem esses dois momentos que entraram para a história da Capital.
14/8/91 - Irreconhecível no Gigantinho
"Porto Alegre estava eletrizada. Bob Dylan, o grande bardo dos anos 60, o porta-voz das inquietações de toda uma geração estaria aqui, em carne e osso, no palco do Gigantinho, tocando os seus sucessos.
Mostrando que um artista é sempre dono de sua obra, em 14 de agosto de 1991, uma quarta-feira, Dylan fez um show que reverteu todas estas expectativas. Mudou os arranjos de canções conhecidas, como as icônicas Blowin' in the Wind e Lay Lady Lay, tocou uma música daquele que é considerado seu pior disco (Wiggle Wiggle, de Under The Red Sky, de 1990) e revisitou sua fase cristã com Gotta Serve Somebody. O público que estava no ginásio - aproximadamente 7 mil pessoas - ficou estupefato. Como Dylan teve a coragem de transformar hinos já consagrados em canções desconhecidas e que todos tinham dificuldades de reconhecer? A frustração foi grande. Um verdadeiro banho de água fria no público, mal-acostumado com músicos que se contentam em recriar, nota por nota, as versões originais de seus discos. Dylan não é assim. É um artista em constante movimento. Mas ficou a má impressão. Que só seria desfeita sete anos depois no triunfal show do Bar Opinião. Mas esta é uma outra história."
Paulo Moreira, jornalista e radialista
7/4/98 De perto, no Opinião
"Bob Dylan em Porto Alegre, 1998, no Bar Opinião tinha tudo para ser histórico. E foi. Algumas razões históricas margeiam esse show que pode ser, literalmente, considerado, ao menos para nós, sulistas orgulhosos, como antológico. Primeiro, era um show de Bob Dylan em sua segunda vinda a Porto Alegre, o que por si só já bastaria. Segundo, no ano anterior Dylan quase havia morrido de pericardite, uma doença ameaçadora para qualquer um quanto mais para um cidadão em idade já não tão tenra. Terceiro, Dylan estava tocando em um espaço pequeno, em vez das habituais arenas e estádios. O Opinião apinhado de gente foi a resposta para essa second coming. O profeta estava entre nós novamente e dessa vez, além de antigas canções clássicas, do mise en scène habitual de misturar um set elétrico, mais rock, empunhando uma afiada Fender Strato com números acústicos, Dylan cantou para todos os felizardos que conseguiram entrar no Opinião naquela noite de 7 de abril de 1998 canções do seus disco mais recente na época, Time Out of Mind. Canções belíssimas musicalmente e com versos envoltos em um amargor e um ceticismo de quem viu a morte de perto e voltou com a plena consciência da finitude humana. Esperemos que o universo seja bondoso novamente conosco e com Dylan, passados 14 anos, e que ele nos brinde com mais um show inesquecível neste 24 de abril."
Jimi Joe, músico e jornalista, coordenador de programação e
conteúdo da Unisinos FM
"A expectativa era grande. Depois de uma apresentação frustrante no Gigantinho em 1991, quando chocou toda a platéia ao mudar radicalmente os arranjos de suas canções - a ponto de deixá-las irreconhecíveis -, Bob Dylan estava devendo um show memorável ao público de Porto Alegre.
E fez. No dia 7 de abril de 1998, uma terça-feira, em um Opinião lotado, Dylan apresentou, com sua banda, um repertório que tinha as músicas do disco "Time Out of Mind", lançado no ano anterior e considerado um dos melhores de sua extensa carreira. Também mostrou clássicos como "Highway 61 Revisited" e "Tangled up in Blue", além de resgatar pérolas obscuras de sua obra como "Silvio" e "This Wheel's on Fire". Tive o prazer de ver o show ao lado do maior dylanólogo que conheço, o jornalista Eduardo Bueno, o Peninha. Foi muito divertido.
Ficamos o tempo inteiro advinhando que música vinha a seguir e passando o set list para um colega de uma sucursal, que estava mais perdido que cusco em tiroteio. Ah, quatro dias depois, ainda tive o prazer de ver um terceiro show de Dylan, abrindo a turnê "Bridges to Babylon" dos Rolling Stones, no Sambódromo, no Rio. Lá, Dylan fez um show diferente e cantou outro clássico: "It's All Over Now, Baby Blue".
Paulo Moreira - jornalista e radialista