Com 160 anos de idade, o Theatro São Pedro motivou causos tão saborosos quanto as histórias encenadas em seu palco, embora nem todos os relatos possam ser comprovados. Até porque alguns flertam com o além, como aconteceu com Seu Oscar.
Antigo zelador do teatro, Oscar Siqueira morou em um quarto por lá desde a reabertura da casa, em 1984, até sua morte, em 2012, aos 85 anos. Era o responsável por abrir e fechar o São Pedro diariamente. Por isso, seu molho de chaves era tão grande quanto o de Eva Sopher. Seu Oscar ouvia os elevadores se movimentarem à noite sem que ninguém os utilizasse. Às vezes, sua campainha era acionada, mas ele abria a porta e não encontrava viva alma. Não se pode dizer que não foi avisado. Na hora de contratá-lo, Dona Eva brincou: "Não se preocupe, Oscar. Vou lhe recomendar aos fantasmas. Eles são inofensivos, falo com eles quando quero" (assista, acima, a animação em vídeo com essa história).
Engana-se quem pensa que as histórias fantásticas são apenas coisas de Seu Oscar. Lauro Porto, 55 anos, trabalha no teatro também desde 1984, atualmente como encarregado de manutenção. Chega cedinho, pelas 5h, abanca-se em sua oficina, prepara um chimarrão e abre o jornal. E ouve passos misteriosos no corredor.
– Isso de passar "gente" é quase todo dia – garante. – Ouço o barulho da porta da rua e fico esperando. Como ninguém aparece, me levanto para ver, e está tudo vazio.
Mas se você pensa que esse negócio de ver fantasma é apenas coisa de Seu Oscar e de Lauro, também está equivocado. Quem conta a próxima é o diretor operacional João Antônio Pires Porto (sem relação de parentesco com Lauro), 57 anos, funcionário do São Pedro desde 1986. Uma antiga funcionária do café que fica no foyer relatou a João Antônio que certa vez foi chamada por um casal de clientes sentados em uma das mesas ao fundo. Queriam saber se havia alguma porta atrás do piano do foyer, pois uma moça havia passado por ali e sumido depois de cumprimentá-los. Acontece que atrás do piano há apenas uma janela que fica fechada, encoberta por uma cortina.
– Imaginamos que seja uma porta para uma quarta dimensão – gargalha João Antônio.
Para lembrar Dona Eva, falecida em fevereiro, hoje os funcionários atribuem à sua onipresença eventuais acontecimentos misteriosos – uma luz que acende depois de ter sido desligada, por exemplo. João Antonio conta que é uma forma de homenagear a mulher responsável pela reconstrução e preservação do São Pedro:
– Ela nos dizia: "Vou continuar morando aqui como o fantasma da ópera".
Parte das cinzas do corpo de Dona Eva foram lançadas junto à paineira que ela adorava, ao lado do prédio do teatro. A árvore é outra fonte de histórias. Certa vez, João Antonio soube que algum admirador da natureza havia escrito um poema para ela. Saindo do reino vegetal para o animal, há as histórias dos gatos que às vezes se perdem no porão do teatro. Conta-se que um miado já se fez ouvir durante um espetáculo. Também teve a vez em que um gato mais ousado passou por trás do palco durante uma apresentação.
Isso sem falar dos misteriosos sumiços. Um grande ator brasileiro teria confessado a Dona Eva que ostentava uma cadeira do São Pedro em sua residência. Eva teria respondido: "E tu me dizes isso com a maior tranquilidade?". Nada que se comparasse à incrível subtração do lustre original do teatro, ainda no século 19. Doado pelo governo francês à Província de Rio Grande para a inauguração, em 1858, teria sido visto pela última vez na casa de particulares na cidade de Rio Pardo por volta de 1880.
Agora, o teatro tem um exótico guardião. É o boneco Max, que Dona Eva posicionava no banco do carona de seu carro para passar a impressão, aos que observavam de fora, que estava acompanhada quando saía tarde do teatro. Depois que dispensou Max, o boneco foi colocado dentro de uma guarita nos fundos do São Pedro com a mesma ideia: dar uma sensação de segurança. Houve quem tenha tentado falar com ele de longe, achando que era uma pessoa, e até quem tenha pedido fogo. Com as câmeras de segurança instaladas no prédio, Max perdeu a função original. Mas continua lá, símbolo das mitologias que habitam a história do São Pedro.