Ao relembrar algumas das principais atrações que fizeram a história do Theatro São Pedro, GaúchaZH dá início a uma série de publicações em homenagem aos 160 anos da casa de espetáculos de Porto Alegre que se tornou uma das mais icônicas em funcionamento no país. O aniversário será completado no dia 27 de junho. Fique ligado nos novos conteúdos que serão postados diariamente.
Naturalmente, a lista de atrações que encantaram o público do São Pedro vai muito além de 16, mas aqui está uma amostra dos gênios que por aqui aportaram durante 160 anos, com foco naqueles que deixaram obras relevantes até hoje.
1. Arthur Rubinstein (1928 e 1951)
Um dos maiores músicos de concerto do século 20, o americano nascido na Polônia Artur Rubinstein (1887-1982) esteve duas vezes no São Pedro. A primeira vez, em 1928, foi marcada por um inusitado contratempo: dois de seus cinco recitais foram cancelados porque o vapor em que viajava chegou à cidade com dois dias de atraso. Foi direto do porto ao teatro, já vestindo a tradicional casaca. Tocou Chopin, Schubert, Bach, Albéniz, Stravinsky, Prokofiev e Villa-Lobos, entre outros. Em 1951, Rubinstein retornou para encontrar um São Pedro bem mais lotado do que em 1928, com obras de compositores como Chopin, Albéniz, Villa-Lobos, Debussy e Liszt.
2. Andrés Segovia (1941)
Se o violão é um instrumento cada vez mais nobre nas salas de concerto, deve-se muito ao espanhol Andrés Segovia (1893-1987), que virou uma lenda ao demonstrar as potencialidades das seis cordas para a música erudita no século 20. Saudado como "o incomparável mestre da guitarra" pelo crítico Herbert Caro, Segovia tocou para uma "boa plateia" no São Pedro em 1941 uma suíte de Robert de Visée e peças breves de Rameau, Sor, Torroba, Albéniz e Granados.
3. Yehudi Menuhin (1950)
Gigante do violino, o americano Yehudi Menuhin (1916-1999) recebeu em vida o título de lorde – ele se tornou cidadão britânico em 1985. Em 1950, nove anos antes de se mudar para Londres, Menuhin tocou em uma noite fria e úmida para uma ávida plateia no São Pedro. No programa, a Sonata nº 3 em Ré Menor, de Brahms; a Sonata nº 3 em Dó Maior, de Bach ("quase à altura de sua fama", segundo Herbert Caro); e o Concerto nº 1 em Ré Maior, de Paganini ("brilhantemente", conforme Caro).
4. Família von Trapp (1950)
A família austríaca que inspirou o filme A Noviça Rebelde (1965) esteve no São Pedro quinze anos antes do longa-metragem que a tornou famosa internacionalmente. Conforme relato do pesquisador Décio Andriotti à coluna Contracapa, de Zero Hora, em 2015, os Von Trapp vieram desfalcados da filha mais velha, Agathe, e do patriarca, Georg von Trapp, que havia morrido em 1947. Herbert Caro considerou o sarau do dia 11 de maio de 1950 "pouco importante do ponto de vista musical e todavia encantador". Para ele, a Família von Trapp "demonstrou no palco com quanto carinho e entusiasmo um grupo de talentosos diletantes pode fazer música em casa".
5. Heitor Villa-Lobos (1953)
O grande compositor moderno brasileiro subiu ao palco do São Pedro em novembro de 1953 para reger a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), conjunto que havia nascido naquele teatro havia apenas três anos, sob a direção do maestro húngaro Pablo Komlós. Villa-Lobos regeu um festival com obras suas: as Bachianas nº 2, a Sinfonieta nº 1 e as Danças Características Africanas. Uma foto da época registra o encontro do compositor e maestro com os intelectuais Paulo Antônio Moritz e Moysés Vellinho, dois cronistas da cultura sul-riograndense.
6. Paulo Autran (1956)
Uma das mais importantes companhias da história do teatro brasileiro uniu três estrelas: a atriz Tônia Carrero (1922-2018), o ator Paulo Autran (1922-2007) e o diretor italiano radicano no Brasil Adolfo Celi (1922-1986), que foi casado com Tônia. A Cia. Tônia-Celi-Autran apresentou no São Pedro uma inesquecível montagem de Otelo, de Shakespeare, estreada em Porto Alegre em 1957. Autran, como o protagonista, "excedeu todos os seus papéis anteriores", segundo o crítico Guilhermino Cesar. Em entrevista a Alberto Guzik publicada no livro Um Homem no Palco, de 1998, o ator contou que se inspirou no então imperador da Etiópia, Hailé Selassié: "É um papel muito difícil, que exigia muito, muito de mim". Autran retornaria ao São Pedro inúmeras vezes, entre elas com uma encenação também histórica de Édipo Rei, de Sófocles.
7. Eugène Ionesco (1970)
Representante do teatro do absurdo, o dramaturgo francês nascido na Romênia Eugène Ionesco (1909-1994) visitou Porto Alegre em 1970, quando a Companhia Francesa de Comédia Jacques Mauclair encenou no São Pedro quatro peças breves suas – e em francês. Estiveram em cartaz na noite do dia 31 de maio O Salão do Automóvel, Uma Moça para Casar e A Lacuna, na primeira parte, e As Cadeiras, na segunda. Os artistas foram recebidos na residência de Eva e Wolfgang Sopher, que ganharam um bilhete de agradecimento do próprio punho de Ionesco, então já reconhecido mundialmente.
8. Radamés Gnattali (1984)
Compositor que soube unir como ninguém a cultura brasileira e a música de concerto, o gaúcho Radamés Gnattali estreou discretamente no São Pedro em 1º de dezembro de 1924. Retornou, gloriosamente, como uma das atrações da noite de reabertura do teatro, em 28 de junho de 1984, regendo a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) na Sinfonia Popular nº 1, de sua própria autoria. "Recebeu demorados aplausos e teve que voltar à cena várias vezes, tal a solicitação do público", registrou Zero Hora no dia seguinte.
9. Bibi Ferreira (1984)
Talvez nenhuma passagem de Bibi Ferreira por Porto Alegre tenha sido tão emocionante quanto a temporada de 41 sessões que ela protagonizou do espetáculo Piaf em 1984 no São Pedro. Foi a primeira estrela a entrar em cartaz no então reformado teatro, depois de sua reinauguração. Bibi desembarcou no inverno porto-alegrense "rouca, gripada e com muito frio", como registrou Zero Hora na época, mas foi direto do aeroporto para conhecer o renovado teatro. "Está maravilhoso! Que coisa linda!", aprovou a estrela na época. A temporada foi um sucesso. Piaf contou com 14 atores e ficha técnica estrelada: a direção era de Flávio Rangel, e o cenário, de Gianni Ratto.
10. Bailei na Curva (1984)
Provavelmente a peça mais popular do teatro gaúcho moderno, Bailei na Curva havia estreado com imenso sucesso no Teatro do IPE em 1983 pelas mãos do grupo Do Jeito que Dá. Encenada até hoje pelo diretor Júlio Conte, com elenco sempre renovado, sintetizou os anseios da geração que cresceu sob a ditadura militar. A canção Horizontes, de Flávio Bicca Rocha, ficou imortalizada: "Há muito tempo que ando/ Nas ruas de um porto não muito alegre". Em 1984, Bailei integrou a inesquecível programação de reabertura do São Pedro. Em 2013, por ocasião dos 30 anos da estreia da peça, Conte declarou a Zero Hora: "Acho que é a primeira peça, talvez junto com Feliz Ano Velho, que fala dos desaparecidos, a questão política, a repressão, a guerrilha, dentro de um contexto da classe média, de uma coisa que estava acontecendo ali na casa da esquina".
11. Tangos & Tragédias (1988)
Encenado até a morte de Nico Nicolaiewsky, em 2014, Tangos & Tragédias foi o espetáculo mais identificado com o São Pedro depois da reinauguração, onde foram realizadas, desde o final dos anos 1980, disputadas temporadas de verão. Em 8 de janeiro de 1988, Zero Hora convocava: "Se você ainda não viu Tangos & Tragédias, o que está esperando?". Pois os espectadores não apenas viram como reviram – em alguns casos, mais de uma vez – as tragicômicas interpretações de Kraunus Sang (Hique Gomez) e do Maestro Pletskaya (Nico) e suas histórias a respeito de um lugar imaginário chamado Sbornia. Depois, Hique deu continuidade ao universo de Tangos em novo espetáculo com Simone Rasslan, que também havia perdido uma parceira de palco, Adriana Marques, em 2009.
12. Zé Celso Martinez Corrêa (2000)
Inovador e provocador do teatro brasileiro, José Celso Martinez Corrêa exibiu o virtuosismo do Teatro Oficina no São Pedro em 2000, dentro do festival Porto Alegre Em Cena. Primeira incursão do diretor paulista pela dramaturgia de Nelson Rodrigues, Boca de Ouro teve sessões esgotadas na Capital. Em entrevista a Zero Hora na época, Zé Celso considerou o espetáculo uma "tragicomédia": "É uma comédia orgiástica, muito dionísica, mesmo em um período como esse que Dionísio, deus do teatro, está massacrado por uma visão dominante do mercantilismo".
13. Norma Aleandro (2005)
A grande atriz argentina dos filmes A História Oficial (1985) e O Filho da Noiva (2001) fez sua estreia teatral no Brasil em Porto Alegre, em 2005, a convite do festival Porto Alegre Em Cena. Estrelando a peça La Señorita de Tacna, de Mario Vargas Llosa, Norma Aleandro, então com 69 anos, embasbacou a plateia do São Pedro com uma atuação na qual alternava entre uma personagem idosa e a mesma personagem ainda jovem, utilizando como recurso de transição apenas um xale. Em entrevista a Zero Hora, a diva afirmou: "Não pertenço a nenhum partido e combato as ditaduras, seja de direita ou de esquerda. Sob um regime autoritário, as pessoas não conseguem desenvolver-se, não conseguem atingir sequer um equilíbrio emocional".
14. Fernanda Montenegro (2011)
A grande dama do teatro brasileiro viveu papéis inesquecíveis, mas ainda reverbera na memória do público sua atuação relativamente recente no monólogo Viver Sem Tempos Mortos, no qual se apresentou em um cenário minimalista, apenas sentada em uma cadeira, interpretando a correspondência de Simone de Beauvoir a Jean-Paul Sartre. Foi em 2011 no São Pedro, sob direção de Felipe Hirsch. "Simone de Beauvoir é uma figura emblemática para a minha geração", disse Fernanda a Zero Hora na ocasião. "Simone certamente foi, e não estou exagerando, a mulher mais importante do ponto de vista do feminino que existiu no século 20. Ela mudou para sempre a vida da mulher." A atriz já havia estado no São Pedro em espetáculos marcantes como Uma Pulga Atrás da Orelha (1962); Dona Doida (1988), baseado na poesia de Adélia Prado e dirigido por Naum Alves de Souza; e The Flash and Crash Days (1992), este com a filha Fernanda Torres, dirigidas por Gerald Thomas.
15. Bob Wilson (2011)
O Theatro São Pedro foi palco de dois espetáculos encenados pelo americano Bob Wilson, um dos maiores inovadores do teatro contemporâneo – ambas montagens de peças de Samuel Beckett. Happy Days (no Brasil, Dias Felizes) veio em 2010 com a experiente atriz italiana Adriana Asti no papel da protagonista Winnie, que passa o primeiro ato enterrada até a cintura e o segundo, até o pescoço. No ano seguinte, Wilson subiu ao palco em carne e osso, protagonizando A Última Gravação de Krapp, em uma exibição histórica que encantou o público pelo virtuosismo técnico e tecnológico. Os dois espetáculos figuraram na programação do Porto Alegre Em Cena, que já havia trazido uma atração de Wilson em 2009 ao Teatro do Sesi: Quartett, de Heiner Müller, com a estrela francesa Isabelle Huppert.
16. Philip Glass (2011)
No mesmo ano em que Bob Wilson esteve no São Pedro, o Porto Alegre Em Cena trouxe o compositor e pianista americano Philip Glass, que havia criado com Wilson a histórica ópera Einstein on the Beach (1976). Glass havia tocado no Teatro do Sesi, em 2001, a trilha composta para o relançamento do filme Drácula (1931), acompanhado por seis músicos. No recital mais intimista de 2011, no São Pedro, veio acompanhado do violinista Tim Fain. Em entrevista a Zero Hora, o compositor afirmou: "Quando falamos da velha vanguarda, eles queriam mudar o passado. Mas a nova vanguarda não quer mudar o passado, ela não está nem aí para o passado! Os artistas hoje estão mais preocupados com o que está acontecendo agora".