Defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e tratada com cautela por médicos e pesquisadores, a cloroquina, em dosagens altas, não é recomendada para tratar pacientes graves de coronavírus. Essa foi a conclusão preliminar do estudo CloroCovid-19, realizado no Amazonas por um grupo de mais de 70 cientistas. O levantamento foi publicado nesta sexta-feira (24) no site do The Journal of the American Medical Association (JAMA).
Liderado pelo pesquisador Marcus Vinícius Lacerda, médico infectologista da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) e pesquisador e especialista em Saúde Pública do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia), o estudo tem como objetivo avaliar a segurança de duas dosagens de cloroquina em pacientes severos de covid-19. Na primeira fase, foram testados 81 pacientes, dos quais 41 receberam altas dosagens, conforme recomendação das autoridades chinesas, e 40 tomaram a dose menor.
O levantamento preliminar sugere que "altas doses de cloroquina não devem ser recomendadas para pacientes críticos com covid-19 em função dos riscos potenciais de segurança, especialmente quando administrado concomitantemente com azitromicina e oseltamivir". O texto ainda acrescenta que "esses achados não podem ser extrapolados para pacientes com covid-19 não severa". A taxa geral de letalidade na amostra foi de 27,2%.
Um dos pontos de discussão que os pesquisadores levantam é que "no contexto de pacientes graves de covid-19, nosso estudo acende um sinal vermelho para o uso de altas dosagens de cloroquina, porque os riscos de efeitos tóxicos superam os benefícios".
É importante destacar que os pesquisadores não conseguiram avaliar independentemente os efeitos tóxicos da cloroquina, pois, como protocolo do hospital, os pacientes já estavam recebendo azitromicina. A pesquisa segue em andamento, porém a dosagem mais alta foi suspensa.
Avaliação
Na opinião do presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), Fernando Spilki, um dos grandes feitos dos pesquisadores é ter estruturado um estudo randomizado, duplo-cego e com uma metodologia cuidadosa.
— O estudo tem justificativas adequadas para dose e desenho — avalia Spilki, que também é pesquisador da Feevale.
Fora isso, destaca Spilki, o levantamento conta com um grupo de pesquisadores muito experiente com malária, doença para a qual a cloroquina é indicada. Isso oferece mais segurança ao lidar com a substância e suas dosagens.
Ataques ao estudo
Na semana passada, alguns pesquisadores da CloroCovid-19 foram atacados após a divulgação do estudo em um site. Em uma carta aberta, o líder do estudo se manifestou dizendo que "uma onda de reações de natureza ideológica, de pessoas que nunca leram o estudo na íntegra, sem qualquer formação científica, motivou manifestações violentas de cunho pessoal ao pesquisador principal, sua família e sua equipe, o que tem desviado a atenção e o foco do trabalho realizado aqui durante a pandemia. A polícia militar do Estado do Amazonas está vigilante e garantindo a segurança imediata de todos". Diversas entidades relacionadas à pesquisa se manifestaram, inclusive a SBV.
— Acredito que o pesquisador não está querendo condenar, nem querendo salvar a cloroquina. Mas, infelizmente, isso ganha na sociedade uma dimensão de entrar em uma disputa política, ideológica. Não está fácil fazer pesquisa. Nos preocupamos que os pesquisadores não tenham paz de espírito para continuar trabalhando adequadamente. A pressão social que vem das redes é uma situação que preocupa — diz Spilki.
No seu texto, Lacerda reforça que o grupo não tem nenhuma vinculação política ou ideológica, apenas busca a boa ciência.