Philip Roth (1933-2018) não era muito apegado aos livros de sua biblioteca pessoal. Quando morreu, aos 85 anos, deixou para trás mais de 7 mil volumes em edição de bolso e capa dura, a maioria amontoada nas estantes de seu apartamento no Upper West Side, em Nova York, e nas de sua casa de Warren, em Connecticut. Deixou tudo para a Biblioteca Pública de Newark (no Estado de Nova Jersey) — e quando Nadine Sergejeff, supervisora daquela que se tornaria a Biblioteca Pessoal de Philip Roth, foi inspecionar seu conteúdo, encontrou verdadeiros tesouros.
As margens dos livros estavam lotadas de comentários e anotações, como se o escritor estadunidense de O Complexo de Portnoy, O Teatro de Sabbath, A Marca Humana e Pastoral Americana estivesse conversando com o autor em questão ou fazendo observações azedas a respeito dos buracos em sua obra. Mas se encontravam também recheados de cartas — às vezes, parte da correspondência entre Roth e os escritores; outras vezes, mensagens que não tinham nada a ver com o livro. Sergejeff também descobriu listas de compras, itinerários de viagem, flores prensadas, papéis de bala, palitos de dente e canudos.
— Todas aquelas coisas que a gente acha no fundo de qualquer bolsa. Ele não só usava sua biblioteca para valer como vivia nela — comenta Rosemary Steinbaum, curadora da biblioteca de Newark.
A coleção, hoje mantida em uma sala reformada bem elegante na Biblioteca Pública de Newark, foi aberta ao público em junho. Roth, que nasceu na cidade e escrevia sobre ela com frequência, foi quem escolheu o local, selecionando o que era o depósito de livros de arte.
Ali, o visitante vai poder ver cerca de 3,7 mil livros de seu acervo pessoal, incluindo uma série de quatro volumes sobre a história das eleições presidenciais, diversas cópias de O Processo, de Franz Kafka, e uma edição anotada de Aplicativos Incríveis para iPhone para Principiantes em uma das prateleiras mais altas.
A biblioteca pode gerar um interesse ainda maior agora, devido ao lançamento e à polêmica em relação à biografia autorizada do autor, e o interesse de alguns estudiosos em ter mais acesso à sua correspondência e a outros documentos que revelem um pouco mais de sua vida e seu trabalho.
Itens em exposição
Philip Roth tinha diversas máquinas de escrever, incluindo uma Olivetti Underwood, mas, segundo Nadine Sergejeff, também tinha o costume de criar à mão e, às vezes, no computador.
Uma vez Roth pediu ao irmão, Sanford, artista plástico conhecido como Sandy, que desenhasse a casa em que foram criados. O desenho, que ele menciona em seu romance de 2004 O Complô Contra a América, ficava exposto na parede de sua sala em Manhattan.
A curadora Rosemary Steinbaum conta que, quando Roth era monitor em Pocono Highland Camps, teve um romance de verão com uma colega chamada Micki Ruttenberg. Ela mesma, aliás, comentou com Steinbaum que um dia no acampamento, depois de ter recitado um trecho do poema persa O Rubaiyat, de Omar Khayyam, para impressioná-lo, Roth, que na época tinha 19 anos, ofereceu-lhe uma lista intitulada "como fazer de Micky [sic] uma intelectual!", com recomendações que incluíam George Orwell, Truman Capote e Marcel Proust.
A mãe de Roth, Bess, colecionava artigos de jornal e outros recortes sobre o filho. Apenas um de seus álbuns está aberto e à mostra, mas há sete deles na biblioteca.
O visitante tem a oportunidade de ver a cartola que o romancista Saul Bellow estava usando na noite em que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1976.
Uma cópia de Trópico de Câncer, de Henry Miller, contém vários post-its e anotações feitas por Roth.
Os comentários na parte interna da sobrecapa de The Nightmare Decade, de Fred J. Cook, incluem nomes de personagens do que seria a obra que Roth escreveu em 1998, Casei com um Comunista.
Parte dos móveis de seu escritório de Connecticut também está em exibição, incluindo sua escrivaninha ajustável e a cadeira Eames.
Flores secas foram encontradas dentro dos livros sobre espécies de plantas. Roth e Julia Golier, sua inventariante, costumavam fazer caminhadas ao redor da casa de Connecticut com a publicação para que identificassem o que viam.
A maioria das anotações na prova tipográfica de A Lição de Anatomia, de 1983, era sua mesmo, mas pelo menos uma foi feita por Joel Conarroe, escritor e amigo antigo de Roth, que foi quem fez a doação.
Parece que Roth não gostava de uma edição de Na Pior em Paris e Londres. Ao lado de um trecho da resenha do The New York Times Book Review na capa, ele escreveu: "Que comentário estúpido". E na parte de trás, onde a capa descrevia a criação de George Orwell como "um romance incomum, em boa parte autobiográfico", ele rabiscou: "Não é romance".