
Há tempos, Dublin é conhecida como uma cidade da cerveja e do uísque. Durante incontáveis gerações, os pubs servem os mesmos copos de stout e as garrafas de scotch tão familiares, mas de uns anos para cá se percebe uma mudança que vem abalando o cenário etílico regional. Um novo tipo de bar, voltado para coquetéis artesanais e quase sempre destacando o potencial dos destilados irlandeses, vem ganhando uma popularidade cada vez maior. De fato, o pessoal local já está preterindo a boa e velha Guinness pelos coquetéis mais badalados.
Tanto no centro da cidade, perto da Grafton Street, como também na área historicamente operária de The Liberties, bares recém-abertos estão chamando a atenção para a arte da mixologia na capital irlandesa.
Há coisa de dez anos, o que mais se assemelhava a um coquetel em um pub quase sempre era uma dose de gim sobre gelo, servida ao lado de uma garrafinha de água tônica; porém, depois da crise financeira global de 2008, muitas das regras que ditavam o "negócio bem-sucedido" foram para o espaço, segundo restaurateurs e donos de bares locais. Estabelecimentos formais começaram a fechar porque o cliente passou a prezar muito mais o custo-benefício que a badalação. Com menos dinheiro, as pessoas passaram a escolher muito mais onde gastá-lo; os mesmos "pints" de sempre já não eram bastavam para tirar o pessoal de casa.
"Donos de bares e restaurantes tiveram de se mexer, reinventar conceitos para fazer as pessoas saírem. E tinha também aqueles com experiência no exterior, que trouxeram novos conceitos para a Irlanda", diz Stephen Teeling, um dos sócios da Teeling Whiskey.
Em 2015, ele e o irmão Jack inauguraram a destilaria em The Liberties, região onde sua família está ligada à produção do uísque desde 1782.
"Nosso objetivo é reviver a destilação e levar a família de volta para a região. A Irlanda enfrentou a pior crise de sua história recente, inclusive com muita gente dizendo que o país não ia se recuperar, mas resolvemos apostar em uma abordagem diferente; era hora de reconstruir", explica.
Os tours, com preços a partir de 15 euros (ou cerca de US$ 17), revelam o processo de fabricação do uísque, mas o espaço elegante e contemporâneo também atrai os moradores, que vão à destilaria em busca de harmonizações, cursos de coquetelaria e as noites de comédia no Bang Bang Bar, no andar superior. Em fevereiro de 2018, a Teelings abriu o Finishing Room, um segundo bar dentro da operação, com um cardápio mais amplo de coquetéis, música ao vivo e horário de funcionamento mais extenso.
"Há dois motivos para o aumento do interesse nos coquetéis: o setor alimentício e os próprios bartenders", afirma Stephanie Shen, gerente do Chelsea Drugstore, bar que funciona no que era uma farmácia antiga na South Great George's Street.
Os clientes gostam de acompanhar a preparação de suas bebidas, e os bartenders se tornaram atração por causa de suas habilidades, do entusiasmo no bate-papo e da solicitude em tirar dúvidas a respeito das misturas.
"Os lugares mais disputados são ao balcão, claro. O pessoal quer conferir as qualidades do bartender, vê-lo exibir sua arte", conta Karl Byrne, gerente de alimentos e bebidas do Westbury Hotel, que abriga o Sidecar Bar, em uma travessa da Grafton Street, no centro de Dublin.
Teve gente que veio da Irlanda do Norte, de Londres e do outro lado do país para provar os coquetéis.
KARL BYRNE
gerente de alimentos e bebidas do Westbury Hotel (Dublin)
Em meados de 2017, seis meses após ser inaugurado, o bar realizou um evento histórico: convidou a equipe do The Dead Rabbit, no centro financeiro de Manhattan, em Nova York, para uma residência de cinco dias e a oportunidade de recriar seus drinques premiados. As reservas se esgotaram um dia depois de abertas ao público. "Teve gente que veio da Irlanda do Norte, de Londres e do outro lado do país para provar os coquetéis", diz Byrne.
E não são só os estabelecimentos que estão mudando; o público também. "O cliente agora está mais aberto às experimentações, principalmente se o drinque tem jeito de ser instagramável", explica Will Lynch, porta-voz da marca Slane Irish e ex-bartender do pioneiro Exchequer Bar, em Dublin. O viajante que quiser dar uma espiada nas criações mais fotogênicas da capital irlandesa deve conferir as contas do The Liquor Rooms, The Blind Pig, Hang Dai e Peruke & Periwig na rede social.
E, embora o cliente esteja descobrindo novas combinações no copo, há um elemento familiar a esses bares novos. "Todo mundo conhece a receptividade irlandesa", declara Ariel Sanecki, mixologista do Tack Room, bar que fica dentro do cinco estrelas Adare Manor, no Condado de Limerick, reinaugurado em novembro de 2017, depois de quase dois anos de reforma.
A repaginada da propriedade inclui coquetéis criativos como o "Japanese Garden" e o "Dunraven Delight", que levam ingredientes como saquê, matcha e yuzu e são servidos em copos soprados a mão. The Tack Room serve tanto como destino para a apreciação da teatralidade mixológica como lugar aconchegante para uma saideira.
O Cask, considerado o Melhor Bar de Coquetel de 2018 segundo o Irish Craft Cocktail Awards, composto por profissionais do ramo, não fica em Dublin, mas em Cork, a quase três horas da capital.
"Tradicionalmente, o bar de coquetel é mais formal, mas aqui na Irlanda o negócio é a hospitalidade. A receptividade é natural, assim como o troca-troca, a música e a diversão. Não tem essa de egos inflados", resume Andy Ferreira, gerente do Cask.
O bar atraiu a atenção da imprensa ao usar ingredientes bem incomuns, como alga marinha e urtiga, além de dar uma atenção rara ao gelo como elemento vital do coquetel, e não tratá-lo como coadjuvante. "Somos o meio pelo qual o cliente pode chegar a uma experiência totalmente nova", gaba-se Ferreira.
A popularidade crescente dos coquetéis artesanais vai muito além de Dublin, e sua ascensão poderia até ter afetado a diversão despretensiosa da cena etílica irlandesa, mas o que se vê é justamente o contrário: em vez do porteiro seco com uma lista na mão à entrada da casa, o visitante pode esperar uma recepção calorosa, muita conversa e a personalidade inerente dos melhores pubs nacionais nessa nova geração de bares.
"O que o irlandês mais detesta é pretensão. A afetação pode até ter meio que surgido durante o período de vacas gordas, mas, na verdade, não tem nada a ver conosco", conclui Stephen Teeling, o dono da destilaria.
Por Jessica Colley Clarke