Até que a União Europeia nomeasse Marselha a Capital Europeia de Cultura em 2013, essa era uma das cidades menos apreciadas do continente. Situada em um porto esplêndido à beira do Mediterrâneo, cercada por montanhas e abençoada com uma média de 300 dias de sol por ano, uma série de museus, restaurantes ótimos e uma população animada e multicultural, a cidade tem tudo o que o visitante poderia desejar.
Ainda assim, por conta de sua reputação ruim, as pessoas geralmente preferem passar as férias no sul da França, em cidades menores e mais tranquilas como Aix-en-Provence, Avignon, Arles e Nîmes.
Este ano, revigorada por um investimento financeiro significativo ligado à honraria recebida, a cidade de mais de 850 mil habitantes tem tantas atrações e instituições culturais, converteu tantos prédios industriais em centros de arte e revitalizou tantos bairros negligenciados que os viajantes não poderão mais resistir.
No passado, o porto agitado, cheio de barcos de pesca e iates de luxo, nunca foi muito convidativo para quem só quisesse passear - havia muito pouco espaço. Graças a um planejamento urbano bem pensado que criou calçadas mais largas e praças, tudo isso mudou. Nada menos que 660 milhões de euros oriundos de fontes públicas e privadas foram investidos na cidade e seus arredores desde 2008, quando Marselha recebeu o título.
O título transformou muitos lugares de Marselha em maravilhas culturais e arquitetônicas. Docas dilapidadas abriram espaço para cais de madeira e bonitos abrigos para barcos. Além disso, exposições de esculturas se tornaram comuns - recentemente, animais em tamanho real pintados de cores fortes por artistas locais podiam ser vistos em toda a cidade.
Uma vez que apresentações de música e dança serão realizadas na praça central no outono, a empresa de arquitetura de Norman Foster, a Foster & Partners, foi contratada para criar um abrigo contra as intempéries. O resultado foi um pavilhão charmoso conhecido como Ombrière. Essa folha brilhante de aço, suspensa por oito postes finos, reflete tudo o que está abaixo e ao redor de si e, durante a noite, o mar brilha tanto no porto, quanto no teto.
Uma caminhada curta pelo lado norte do porto, até o imponente forte de Saint-Jean, construído no século 12, leva até duas pontes altas e estreitas. A primeira conduz ao labiríntico bairro histórico de Le Panier, local dos primeiros assentamentos gregos da região em 600 a.C. O bairro montanhoso, dinamitado pelos nazistas em 1943 porque servia de proteção para os combatentes da Resistência, tornou-se há tempos lar de imigrantes vindos da Itália e da Córsega, originalmente, e mais recentemente de pessoas de África, América do Sul e Ásia.
Reputação difícil de derrubar
Para chegar a duas exposições incríveis é necessário partir de ônibus do centro da cidade. Vale muito a pena conhecer o jardim de esculturas aberto em junho e projetado por Ito Morabito, cujo nome profissional é Ora-Ito, no teto do famoso "vilarejo vertical" Cité Radieuse, projetado por Le Corbusier em 1952.
Além dos mais de 300 apartamentos espaçosos do edifício - fiel ao conceito do vilarejo -, existem lojas, instalações médicas, educacionais e esportivas, um belo hotel instalado em três andares, além do maravilhoso restaurante Le Ventre de lArchitecte (a Barriga do Arquiteto, em tradução livre), supervisionado pelo famoso chefe local Alexandre Mazzia.
Não muito longe dali fica o Musée dArt Contemporain (MAC), com a exposição Le Pont, em cartaz até 20 de outubro com obras de 145 artistas que lidam com a temática da migração e das trocas entre civilizações, um tema recorrente nessa cidade poliglota.
Mas Marselha não perdeu a reputação de cidade assolada pelo crime. A região, que inclui Aix e Arles, é a terceira com maior número de roubos, atrás de Paris e da região de Seine-Saint-Denis. As autoridades afirmam que mais policiais e mais câmeras no centro da cidade reduziram consideravelmente os crimes nos último ano.
Demora dias apenas para ver metade do que a nova Marselha tem a oferecer - ver tudo exigiria semanas. A cidade está cheia de cafés e restaurantes, lotados nos momentos de pausa, as apresentações frequentes em locais incomuns oferecem entretenimento constante e há praias largas e agradáveis não muito longe dali.
Clima de Montmartre
No centro do bairro histórico, o Vigile Charrete, que já serviu de asilo para pobres, atualmente abriga os museus de arqueologia do Mediterrâneo e de arte indígena Americana, da Oceania e da África. A partir de passagens arcadas, os museus levam até o domo de uma capela e a um quintal tranquilo com o novo Charité Café e uma livraria.
(Agnes Dherbeys/NYTNS) Pessoas descansam no imponente forte de St. Jean, erguido no século 12
Para sentir um pouco o bairro, é necessário caminhar pelas vielas apertadas e cheias de cafés, restaurantes, ateliês de artistas e apartamentos chiques lado a lado com casas arruinadas, em uma atmosfera parecida com a de Montmartre, em Paris. Após chegar à pequena Place des Moulins bem no topo, você encontrará uma praça repleta de árvores, emoldurada por casinhas em tom pastel com vista para o mar. Quinze moinhos de vento já fizeram parte da paisagem, ao lado dos canhões que defendiam a cidade.
A segunda ponte que sai do Fort Saint-Jean leva a uma esplanada espaçosa e a dois novos museus, o Musée des Civilisations de lEurope et de la Méditerranée (MuCEM, sigla em francês), que abriu as portas em junho e foi projetado pelo arquiteto Rudy Ricciotti, e a Villa Méditerranée, inaugurada em março e projetada pelo arquiteto Stefano Boeri. Ambos foram construídos com o financiamento atraído pelo título de capital cultural e oferecem vistas panorâmicas de tirar o fôlego da cidade e do Mediterrâneo, da estátua de Notre-Dame de la Garde, em uma colina ao sul, à majestosa Cathédrale de la Major, ao norte.
O MuCEM, construído em forma de bloco, tem uma fachada preta com um padrão entrelaçado, terraço no último andar e um restaurante que, assim como todos os outros locais onde se pode comer no museu, é supervisionado pelo chefe Gerald Passédat, com três estrelas no guia Michelin. Primeiro museu nacional fora de Paris, ele planeja exposições que combinem antropologia, arqueologia, história da arte e arte contemporânea. Uma de suas primeiras exposições temporárias, No Bazaar do Gênero, em cartaz até 6 de janeiro, aborda a forma como as diferenças de gênero foram historicamente percebidas ao longo dos países banhados pelo Mediterrâneo.
Experiências aquáticas
Também dedicada a celebrar as culturas locais, a Villa Méditerranée é um centro de conferências, exposições e documentação. Sua missão é a de encorajar as trocas culturais por meio de eventos como palestras, debates, performances, filmes e apresentações musicais. Construída em forma de um C gigante, a Villa tem um impressionante beiral suspenso de 39,6 metros sobre uma piscina interior capaz de receber barcos e banhistas. Shows, seminários e exibições de filmes serão realizadas na base submersa do auditório, que dá a impressão de um aquário.
(Agnes Dherbeys/NYTNS) O centro de conferências e exposições Villa Méditerranée foi projetado pelo arquiteto Stefano Boeri
Continuando com a experiência aquática, é possível pegar um barco ao lado da Villa Méditerranée até os diques que saem do porto onde o artista franco-argelino Kader Attia instalou Les Terrasses, uma série de cubos brancos brilhantes em disposições variadas.
A poucos metros dos museus, em direção ao norte, é possível chegar a outros centros recém-construídos, muitos dos quais são espaços industriais reutilizados. O Silo de 1,7 mil lugares costumava ser um espaço de armazenagem de grãos, mas agora serve de palco para apresentações de teatro, dança e música. O Hangar J1, um terminal de balsas convertido, funcionará como centro comunitário e artístico a partir deste ano, uma espécie de espaço pop-up. Além disso, o Musée Regards de Provence abriga uma coleção com peças de arte da região.