Após duas horas e meia de uma viagem deslumbrante e exaustiva por areias fofas a uma temperatura de 38 graus, chegamos ao fim de uma península estreita que se lança sobre o vazio do oceano. Ali, perto do ponto mas ocidental da Austrália, vimos à nossa frente uma imagem mais estonteante que o calor.
De ambos os nossos lados, as praias se delineavam com listras tricolores: o azul do céu, o vermelho das dunas e o branco maravilhoso da praia. A água estava perfeitamente transparente e de uma plataforma na beira da encosta podíamos observar um mundo diferente: um livro aberto com todas as imagens da vida aquática do Oceano Índico. Um grupo de golfinhos; arraias gigantes sob a superfície pairando como sombras negras bruxuleantes; dugongos e tartarugas marinhas à deriva; bem abaixo de nós, uma arraia rabo-de-vaca próxima à margem; além de tubarões e mais tubarões onde quer que olhássemos, patrulhando a costa e se escondendo por trás das pedras.
Eu estava na metade de uma viagem de 11 dias pelas estradas da costa oeste australiana com minha esposa Lauren e seus pais Frank e Anda. Havíamos ido de avião até Perth, a maior cidade daquele lado do continente, onde alugamos um RAV4 4x2 (preste bastante atenção nesse detalhe) para podermos fazer a viagem. Nosso objetivo era chegar ao Recife de Ningaloo - a "outra" grande barreira de corais, que se estende por 257 quilômetros em torno da costa australiana, a 1.130 quilômetros ao norte de Perth.
Obviamente, o recife de Ningaloo é chamado de "outro" em comparação com a Grande Barreira de Corais, localizada na costa leste, na área mais desenvolvida da Austrália. Há dois anos, Lauren e eu havíamos visitado a Grande Barreira de Corais e saímos cheios de dúvidas. É claro que o lugar é impressionante - a maior estrutura viva do planeta - e atrai dois milhões de turistas ao ano. Mas por esse motivo, grandes trechos do litoral vivem constantemente cheios de pessoas e construções, fazendo com que (ao menos para mim) a exaustiva viagem de barco de duas horas até a Barreira se transformasse em um pesadelo para o estômago. Ningaloo prometia ser o contrário: uma costa vazia com um recife intocado, habitado por todas as criaturas bizarras e multicoloridas que se podem ver durante um mergulho de snorkel no oceano - e tudo isso a uma curta distância do hotel.
Em uma série de parques nacionais praticamente vazios, caminhamos ao longo de falésias costeiras e nos maravilhamos com formações rochosas peculiares e desfiladeiros fluviais profundos que cortam o deserto árido. Então, após três dias de viagem, chegamos à Baía dos Tubarões, batizada em 1699 pelo corsário britânico William Dampier. "Capturamos inúmeros tubarões", escreveu no diário de bordo, "e os marinheiros os saborearam com grande prazer". (Dampier também relata que pescou um tubarão com 3,4 metros de comprimento, cujo estômago continha "a cabeça e os ossos de um hipopótamo" - provavelmente um dugongo, uma espécie de peixe-boi extremamente ameaçada em outras regiões, mas que ainda abunda na costa oeste da Austrália.)
Nossa primeira parada na Baía dos Tubarões, que recebeu o título de Patrimônio da Humanidade da UNESCO, foi Shell Beach, cuja "areia" branca na verdade é uma camada de nove metros de espessura composta por conchas moídas. Ficamos impressionados com os estromatólitos, nódulos de aparência rochosa que se formam em águas rasas e salgadas, e que são uma das formas de vida mais antigas da Terra - bactérias surgidas bilhões de anos atrás e que geraram o oxigênio que permitiu o surgimento de formas de vida mais complexas. (Estima-se que os da Baía dos Tubarões tenham "apenas" alguns milhares de anos.) Os tubarões-baleia, que chegam a medir 18 metros e são a maior espécie de peixe do mundo, migram para a costa todos os anos entre março e julho. Contudo, a atração turística mais constante da Baía dos Tubarões já estava a postos para nos receber na manhã de nossa chegada. Nos reunimos na praia de Monkey Mia com centenas de outros turistas para escutar uma guarda florestal enquanto dezenas de golfinhos selvagens esperavam impacientemente atrás dela. Eles vinham um após o outro para receber peixes de uma voluntária a poucos metros de nós; enquanto os outros nadavam, nos observavam com um dos olhos para fora da água rasa.
A praia de Monkey Mia é de longe o ponto mais popular da Baía dos Tubarões e fica na metade do caminho até a Península de Peron, que serve de abrigo para as águas internas da baía. A metade superior da península é protegida pelo Parque Nacional Francois Peron, acessível por meio de uma estrada traiçoeira de areia fofa que serpenteia pelo cerrado até um mirante no ponto mais alto - e é adequada apenas a "veículos 4x4 de altura elevada", alertavam as placas. Isso nos levou a ler todo o manual do carro em busca da diferença entre "4x2" e "4x4", além do significado correto de "altura elevada". Por isso, tentamos arrumar vagas em um passeio 4x4 oferecido pela agência turística Monkey Mia Wildsights, mas ele já estava lotado. Contudo, a líder do passeio prometeu que pararia e nos ajudaria a desatolar caso fosse necessário, desde que saíssemos antes dela e nos mantivéssemos à frente do grupo. Porém, depois de olhar para o carro, disse que não precisávamos nos preocupar: "Ele vai se sair bem".
Então iniciamos a trilha, após tirarmos mais de um terço do ar dos pneus para ganharmos mais tração. Ainda assim, nossas rodas giravam em falso. Ao final de uma encosta longa, no primeiro quarto do caminho, já havíamos colocado 320 quilômetros no hodômetro - e o carro estava com um cheiro forte de óleo queimado. Paramos para deixar o motor esfriar no calor de 43 graus e voltamos a subir lentamente com o ar condicionado desligado, as janelas abertas e os exaustores funcionando em velocidade máxima para tirar o máximo possível de calor do motor. Logo ficamos atolados.
Quando a guia da Wildsights nos encontrou, conseguiu nos desatolar tirando ainda mais ar dos pneus e dando um empurrão bem forte. Ainda assim, quando chegamos ao final da estrada estávamos exaustos, encharcados de suor e desejávamos nunca ter vindo. (Nossa decisão de entrar no parque com um carro 4x2 foi um grande erro. Se você não estiver acostumado a esse tipo de trajeto, vá com um grupo.)
Mas então saímos do carro, caminhamos pela areia vermelha até o fim do desfiladeiro e olhamos para o oceano, repleto de tubarões, arraias e golfinhos. Foi então que a viagem - até península e à costa oeste como um todo - começou a fazer sentido. Isso porque ainda nem havíamos chegado ao Recife de Ningaloo.
A última parada em nossa peregrinação nos levou a Coral Bay, um local minúsculo no extremo sul do recife com um hotel e áreas para camping. Durante o caminho, paramos para colher algumas mangas que haviam sido derrubadas pelo vento e estavam na beira da estrada. Sua doçura era tão irresistível que paramos no mesmo lugar três dias depois, no caminho de volta.
Assim que chegamos ao recife, Frank e Anda preferiram partir com um barco rápido que os levaria a três dos melhores locais para praticar mergulho. Lauren e eu escolhemos uma opção mais tranquila e fizemos o trajeto de caiaque.
Quando nos afastamos da costa, mergulhamos novamente na selva de corais. Eu me senti invisível quando cardumes de pequenos peixes azuis passaram ao redor da minha cabeça e um dourado-do-mar de cabeça quadrada veio em minha direção. Quando voltei para a superfície, me deparei com um mar vazio, com costas virgens e nenhum sinal de civilização, exceto pela praia que via ao longe, no fim da estrada em frente ao hotel, onde meu livro me esperava ao lado de um fruteira cheia da mangas frescas e de uma geladeira repleta de cervejas geladas. Naquele momento, não tive dúvida de qual barreira de corais era a maior.
The New York Times
Outra costa, outra grande barreira de corais
Praias do oeste da Austrália reservam verdadeiros paraísos naturais
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