No começo da tarde de terça-feira (31), dois funcionários aparavam a grama com a perfeição que era exigida pelo antigo proprietário do amplo terreno de esquina na praia de Atlântida, em Xangri-lá. Apesar da morte em 2023, tudo ao redor ainda recorda o estilo ostentoso do milionário excêntrico responsável por atrair multidões àquela região entre as décadas de 1990 e 2000, graças à oferta gratuita de arte e lazer.
Desde junho, em outra iniciativa destinada a manter vivo o espírito do veranista, a via passou a levar oficialmente o nome pelo qual ele era conhecido: Rua Caburé. Além disso, familiares pretendem manter, nos finais de semana, alguns dos hábitos pelos quais o empresário Luiz Carlos Pigatto da Silva se tornou célebre em todo o Litoral.
Morto por causas naturais em dezembro de 2023, aos 90 anos, o fundador do Grupo Caburé Seguros fez fama em Xangri-lá ao desembolsar uma parte de sua fortuna para oferecer um parque repleto de brinquedos às crianças, distribuir pipocas aos pequenos, rosas e chopes aos adultos, além de apresentações musicais a todos. Para manter as redondezas do jeito que queria, assumia ainda serviços públicos como coleta de lixo, ajardinamento e calçamento.
— Ele era uma pessoa muito querida. Passava por aqui oferecendo serenatas. Vinha um cantor, ele atrás, e um garçom distribuindo chope — relembra a vizinha de veraneio Margareth Zamprogna.
Irmão de Margareth, o empresário Paulo Sérgio Zamprogna lembra ainda que o cuidado de Caburé com os jardins de suas propriedades inspirou toda a vizinhança.
— Todos nós começamos a cuidar melhor dos jardins. Ele vinha elogiar e se oferecia para ajudar no que precisássemos — recorda Zamprogna.
O antigo parquinho infantil não existe mais. Também sumiram os carros de luxo que o vendedor de seguros costumava deixar estacionados diante de sua casa, perto de onde hoje se destaca uma placa com seu clássico apelido. As multidões que chegavam a fechar a rua aos finais de semana foram substituídas pela passagem de eventuais curiosos ou de veranistas que ainda recordam dos tempos áureos da antiga Rua Buriti.
— Eu tinha 14 anos e passava sempre por aqui para ir à praia ou voltar. Costumava ver os carros que o Caburé estacionava na frente do terreno, o helicóptero que ele usava para se deslocar, o movimento de gente. Ele mesmo, vi só uma vez — recorda a veranista Eduarda Adam, 23 anos.
Os tempos são outros, mas o esforço para preservar a memória do singular veranista não se limita ao nome na placa que agora dá nome à rua ou à manutenção impecável dos diversos imóveis da família ao longo de dois quarteirões — que incluem ainda um quiosque com churrasqueira e um campo de futebol. Conforme Balduíno Henschel, funcionário do complexo, a família está retomando parte do legado do empresário.
— No próximo final de semana, devem hastear a bandeira que foi feita com a imagem do rosto dele e realizar algumas das atividades que ele fazia, como oferecer apresentações de música gratuitamente. Estão procurando fazer isso ao longo do verão, como era antes — conta Henschel.
Um dos responsáveis pela retomada do legado do empreendedor é o filho dele, José Luiz Mota, que costuma ocupar uma das casas da região no verão, mas estava fora do Litoral na terça-feira, quando Zero Hora esteve no local. Apesar de o empresário ter morrido, a sua marca segue em todo lugar na antiga Rua Buriti — atual Caburé.
Quem era Caburé
O empresário Luiz Carlos Pigatto da Silva, o Caburé, não nasceu em meio à fortuna que exibiria anos mais tarde no Litoral Norte. Cresceu na região do Areal da Baronesa, entre os bairros Cidade Baixa e Praia de Belas, na Capital, onde negros escravizados buscavam abrigo no século 19.
Antes de se dedicar ao ramo da venda de seguros que lhe tornaria milionário, ele morou no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, onde chegou a trabalhar como garçom e vender melancias. Nos anos 1960, a sua sorte mudou. A esposa, Zélia Conceição Mota da Silva, falecida em 2011, encontrou por acaso um anúncio no jornal oferecendo vaga para agenciador de seguros de vida.
Caburé abriu uma empresa e, a partir disso, construiu uma trajetória de raro sucesso no mundo dos negócios. Uma de suas paixões foi ajustar a região da praia de Atlântida, onde acumulou imóveis, ao seu extravagante gosto pessoal — o que também lhe trouxe dissabores.
Autoridades ambientais o autuaram pelo plantio de grama sobre as dunas próximas a seus terrenos e alguns vizinhos passaram a reclamar da algazarra dos frequentadores dos eventos aos finais de semana. Por isso, no final dos anos 1990, o empresário chegou a fechar o parquinho e suspender os festejos.
Um abaixo-assinado que reuniu cerca de 10 mil nomes pedindo pelo retorno o convenceu do contrário e as celebrações semanais foram retomadas durante mais alguns anos, até que a idade avançada reduziu as manifestações públicas do célebre Caburé.