Mesmo diante do avanço irrefreável de prédios altos e condomínios fechados no Litoral Norte, nas zonas centrais de praias como Tramandaí há casas que teimam em preservar um estilo "raiz" de veraneio. Com varandas sombreadas, brinquedos infantis espalhados pelo pátio e garagens cheias de objetos antigos, elas resistem às pressões imobiliárias alicerçadas nas memórias afetivas de seus proprietários — que não abrem mão dos imóveis onde, a cada ano, mantêm a tradição de verões passados.
Em todo o lado Sul da famosa Avenida da Igreja, no Centro, restou uma única casa de veraneio em meio aos edifícios e estabelecimentos comerciais. De propriedade da professora aposentada Ângela Elisabeth Kuwer Rothen, 69 anos, e de sua irmã, Leda Brenner, a moradia em si é uma relíquia familiar a céu aberto.
— Quando meus pais precisaram desmanchar a casa deles em Sapiranga porque perderam um pedaço do terreno, trouxeram toda ela para Tramandaí e a reconstruíram nesse terreno, comprado em 1957, tijolo por tijolo — revela Ângela.
A família de veranistas, que inclui três filhas da professora e dois netos, de sete e de quatro anos, além de quatro cachorros, já perdeu a conta de quantas ofertas milionárias recebeu nos últimos anos para vender o imóvel. Todas recusadas prontamente.
— Estamos na quarta geração veraneando aqui. Sentamos no pátio, fazemos uma roda de chimarrão e, quando passa um conhecido aqui pela frente, entra e toma um chimarrão com a gente — conta uma das três filhas de Ângela, a nutricionista Renata Elisabeth Rothen, 40 anos.
Como em muitos outros endereços de perfil semelhante, objetos que não têm espaço nas moradias citadinas conseguem abrigo definitivo no litoral. No caso da família Rothen, isso inclui pequenas esculturas de uma galinha e três pintinhos que decoram o pátio junto à cerca de tela.
— Não deu para ficarem em Sapiranga, então colocamos aqui. As crianças passam na calçada e adoram — complementa Renata.
Casa prensada entre arranha-céus
Não muito longe dali, até quatro ou cinco anos atrás a casa de alvenaria cor salmão situada na Avenida Fernando Amaral era apenas mais uma propriedade térrea entre as vias Almirante Tamandaré e Marcílio Dias. Agora, está literalmente espremida entre dois arranha-céus. Rachaduras chegaram a aparecer nas paredes do imóvel onde, há décadas, o designer gráfico Rodrigo Vianna Lauer, 49 anos, e Vera Freitag Muller, 87, passam os verões juntos.
Neste ano, Vera — que considera Rodrigo como um filho de criação — ainda não conseguiu rumar para a praia por questões de saúde. Mas o designer mantém o espaço ao gosto da veranista à sua espera: na cozinha, onde cortinas brancas e azuis na janela combinam com as lajotas igualmente azuladas na parede, se destacam um antigo fogão Wallig e tradicionais potes de cerâmica para café, farinha, açúcar e feijão sobre uma bancada de fórmica.
— Todos os dias, colocamos as cadeiras e o guarda-sol no pátio. Como dizemos, "montamos o circo" — brinca Lauer.
O interior é repleto de raridades como uma caixa amplificada Cadensa Amplisom SA 400, de 4 watts, modelo à venda nos anos 1970 que ainda é usado para ouvir música.
— É, realmente, uma demonstração de resistência — resume o designer.
Objetos guardam memórias afetivas
A cadeira de couro surrado onde todos os dias se recosta a veranista Carmen Lúcia Flores Machado, 66 anos, para bater papo com os três filhos ou vigiar as brincadeiras dos cinco netos, tem permanência garantida na varanda da propriedade localizada na Avenida Protásio Alves, em Tramandaí.
Sobre o mesmo couro marrom rasgado, sentou-se durante décadas o pai de Carmen, Guaracy Machado, falecido há quase 20 anos.
— Ele levantava, sentava aqui e tomava um chimarrão. O pessoal passava na frente e dizia "Oi, seu Guaracy!". Dali um pouco, a mãe trazia a caipirinha, e aqui ele ficava. Depois ia para a praia — conta Carmen.
Os netos, agora, brincam de subir e deslizar pelos pilares do alpendre da mesma forma como a veranista se divertia há mais de 50 anos.
— A gente até se emociona, porque nós fazíamos isso, e o pai dizia: "cuidado!" — relembra Carmen, com a voz trêmula.
Na garagem, um Corcel II, ovos e um colchão
Casa de veraneio raiz de verdade não pode deixar de ter uma característica: uma garagem repleta dos mais variados itens — nem todos eles ainda úteis ou em uso. O imóvel de madeira azul localizado na Rua Jorge Sperb, na verdade, é tanto moradia para Zenith Souza, 76 anos, quanto imóvel de temporada para os familiares que, nos meses mais quentes do ano, rumam para o local a fim de aproveitar os dias de sol e calor.
No quarto, uma velha TV de tubo garante a audiência das novelas e telejornais. Nas paredes, se dependuram peixes decorativos, um pequeno relógio de madeira, fotos esmaecidas.
Na garagem, resta um Corcel II de pneus murchos convertido em uma espécie de móvel de despensa. No banco do carona, repousa um conjunto de rolos de papel higiênico. Sobre o capô, está uma embalagem com 30 ovos, fios enrolados, sacos plásticos. Na parede, se sustenta uma velha secadora de roupas que, segundo Zenith, ainda funciona perfeitamente, próximo de um par de escadas.
— Uma prima minha já disse que iria jogar tudo fora e comprar tudo novo. Mas esse é o tipo de decoração que eu gosto. Fui criada assim — justifica Zenith, que não troca suas paredes de tinta já um pouco descascada nem por uma cobertura.