Quem passa pela praia de Itapeva, em Torres, no Litoral Norte, depara com um monumento incomum. Em meio às dunas, rodeado de árvores, ergue-se um morro em formato de caracol com 10 metros de altura em relação ao nível do mar. Feito de terra e adornado, no cume, por uma coroa de concreto que lembra o topo de uma torre medieval, chama a atenção e desafia a curiosidade dos frequentadores.
A despeito das dúvidas dos visitantes sobre a origem da estrutura, ela se tornou referência de localização da praia, atrai crianças atrás de aventura, veranistas em busca da sombra da vegetação ao redor e até começou a estimular a instalação de empreendimentos comerciais no entorno.
Em uma tarde ao final de dezembro, o radialista e morador de Torres Igor Stefano Barck, 43 anos, olhava intrigado para o amontoado gigantesco de barro seco que destoa da paisagem ao redor.
— Que coisa interessante. O que será isso? É natural? Tem significado? — questionava Barck, que mora no município, mas circulava pela primeira vez por aquele ponto da beira-mar.
Chamada de Morro de Itapeva, ou Caracol de Itapeva, a obra é fruto da obstinação de um antigo morador, Hugo Bruxel, já falecido. Durante uma década o aposentado depositou terra no terreno diante de sua casa, à beira-mar, com a intenção de construir um morro particular.
Com a obra terminada, no início dos anos 2000, aos finais de tarde abria sua cadeira no ponto mais alto e admirava o Atlântico como se fosse uma extensão de suas posses. O cusco Pichu, de raça e idade ignoradas, permanecia a seu lado pronto a defender o tutor com o único dente na boca que restava ao animal de pequeno porte, mas olhar confiante.
Os primeiros dois metros do caracol foram erguidos com auxílio de uma retroescavadeira. Os palmos restantes são fruto de intermináveis viagens de um carrinho de mão cheio de barro. No ano 2000, quando seu insólito projeto já estava concluído, o idoso contava 73 anos. Fez tudo sozinho, apesar de uma cirurgia de hérnia e de um pino instalado em cada perna para compensar os efeitos da osteoporose.
— Eu nada faço que já tenha sido feito. Provei que é possível superar a desconfiança dos homens e a força da natureza. Nem o vento nem o mar levaram o morro — declarou Bruxel em entrevista a Zero Hora em 26 de janeiro de 2000.
Impasse com órgãos ambientais no ano 2000
A ideia de erguer o portento de terra veio de uma chamada de TV que instigava o espectador a fazer algo "diferente". Foi tão diferente que resultou em um impasse com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) e a prefeitura de Torres ainda no começo dos anos 2000.
Como alterou a paisagem de uma área ambientalmente protegida ao erguer o caracol e plantar árvores exóticas (casuarinas) ao redor, a Sema notificou o aposentado para que desmanchasse o seu feito. A prefeitura determinou que a cerca fosse eliminada, e a casa, removida.
As ordens do município acabaram atendidas, e não há mais sinal nem da cerca nem da segunda casa que Bruxel dizia ter construído para aumentar a segurança do morrinho. Mas o monte ficou.
O imbróglio de Hugo Bruxel com as autoridades ambientais a respeito do destino do relevo artificial chegou a motivar manifestações populares em Itapeva. Em 2004, dezenas de moradores e veranistas das proximidades fizeram protestos no local, com direito a faixa e cartazes, pedindo a permanência do caracol e das árvores — que, de fato, acabaram resistindo e caracterizam a área até hoje.
Procurada por ZH ao longo de uma semana, a Sema informou nesta quinta-feira (2) que precisaria de mais tempo para localizar o processo envolvendo o episódio, já que data de um período em que a documentação era física e não há registro digital do caso.
Ponto de concentração de veranistas
Apesar das questões jurídicas, o antigo Caracol de Itapeva se transformou em um dos pontos preferidos de parada de veranistas na praia localizada na zona sul de Torres.
Quem chega de carro estaciona ao redor do terreno gramado, enquanto outros optam por colocar as cadeiras de praia em volta do morrinho e de frente para o mar. A grama, que tomava todo o monte, sumiu da parte superior devido ao vaivém principalmente de crianças — e até de adultos que sobem ao cume para tirar fotografias.
O movimento levou, recentemente, à instalação de uma loja de açaí e motivou a instalação de banheiros químicos para atender ao número crescente de frequentadores.
— Acabou virando um point da praia. Não sei quem construiu o caracol, mas os donos (da loja) fizeram questão de abrir o negócio aqui porque se tornou uma referência. Quando queremos dizer onde fica o estabelecimento, falamos "na frente do caracol" — conta a comerciante Lidiane Tomé da Silva, que trabalha no local.
Na mesma tarde em que Barck admirava de longe o legado de Hugo Bruxel, o casal de Caxias do Sul Fernando Pires, 57 anos, e Silvana Pires, 46, se revezava para tirar fotos sobre a estrutura que havia visto pela última vez logo depois que ficou pronta, cerca de duas décadas atrás.
— Viemos há uns 20 anos para cá, em um camping, quando já existia o morro. Mas ficamos muito surpresos de ver, agora, que ele ainda está aí. Fico imaginando o trabalho que deu para fazer isso. Antigamente estava melhor preservado, mas ainda está em pé — admira-se Fernando Pires, a exemplo de muitos outros frequentadores da praia de Itapeva.
Leia reportagem sobre o Caracol de Itapeva publicada em Zero Hora no dia 26 de janeiro de 2000: