Quem trafegou no trecho gaúcho da BR-101 antes de 2005 vai lembrar bem da aventura que era viajar pela rodovia. Não bastassem os buracos e uma péssima sinalização horizontal e vertical, tratava-se de uma estrada de pista simples e com acostamento precário, isso quando eles existiam. Um dos horários preferidos dos motoristas que pegavam a 101 do Rio Grande do Sul rumo a Santa Catarina naquela época era o meio da madrugada, para, em cerca de seis horas, chegar a Florianópolis, por exemplo, sem tanto trânsito de caminhões. Além disso, a iluminação da via era quase inexistente.
A reportagem de GZH percorreu a rodovia antes de 2005 e voltou a ela em fevereiro deste ano. Dezesseis anos depois, a mudança é drástica, com queda no número de acidentes, feridos e mortos. Em 22 de dezembro de 2020, a rodovia completou 10 anos de inauguração do trecho duplicado.
As melhorias realizadas na estrada refletem nos índices de acidentes e mortes. A queda no número de mortos em acidentes na BR-101 é de 80% em 2020, na comparação com 2010 (GZH usou esse ano como comparação porque a duplicação da rodovia foi inaugurada em dezembro daquele ano). Foram três mortes no ano passado, contra 15 em 2010. O recorde de vítimas fatais entre 2007 e 2020, histórico que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) possui, ocorreu em 2012, quando 29 pessoas perderam a vida em acidentes na estrada. Se a comparação for com 2012, a redução é de 89%.
Em relação aos acidentes, a queda é de 74,7%. Foram 128 no ano passado, contra 506 em 2010. Aliás, 2010 foi o ano com mais acidentes na BR-101. Já a redução na quantidade de feridos em acidentes é de 33,4%. Passou de 239 para 159.
Chefe da PRF em Osório, o inspetor Alexsandro Kobelinski trafegou muito pela BR-101 antes da duplicação.
— A lembrança que eu tenho é que era bastante intenso o trânsito, bastante carregado. A gente tinha que escolher os melhores horários para se descolocar para Santa Catarina — recorda o policial.
Kobelinski diz que a diferença de segurança para o motorista entre uma rodovia de pista simples e uma duplicada é enorme. Uma exemplo de mudança foram os longos congestionamentos daquela época, hoje minimizados.
— A partir do momento em que a 101 foi duplicada, beneficiou muito a fluidez no trânsito. A via traz mais segurança para o motorista. A ultrapassagem em pista simples é extremamente perigosa. Numa rodovia duplicada, não — exemplifica o inspetor.
José Mário da Silva, 60 anos, é caminhoneiro há mais de duas décadas. Ele percorre o trecho gaúcho da BR-101 com frequência. GZH o encontrou abastecendo seu veículo em um posto em Maquiné.
— É uma boa rodovia. Uma das melhores que tem por aqui é essa 101 — opina o caminhoneiro.
Silva conta que usou muito a rodovia ainda quando não era duplicada.
— Ela sem duplicação não prestava, não. Era muito perigosa. Já percorri a 101 até o Espírito Santo. Esse é o melhor trecho — relata.
Um ano de pedágio
Em 9 de fevereiro de 2021, a BR-101 completou um ano de operação do pedágio da CCR ViaSul, concessionária que venceu o leilão realizado pelo governo federal e passou a administrar a rodovia, com cobrança de R$ 4,60 para veículos de passeio, nos dois sentidos. Como resultado, as condições da estrada melhoraram em comparação com o período anterior à concessão.
GZH percorreu toda a extensão do trecho concedido entre Osório e Torres. Em pelo menos cinco pontos havia algum tipo de trabalho de melhoria, com cones de sinalização orientando os motoristas. O pavimento é de boa qualidade e praticamente não há buracos em todo o trajeto. A roçada no canteiro central e nas laterais está em dia. As placas de sinalização são novas e com as informações bem visíveis. A sinalização horizontal também não apresenta problemas.
A BR-101 fecha um ano de operação do pedágio de Três Cachoeiras com redução de 24,7% de acidentes (de 170 para 128) entre 2019 e 2020 e 40% de mortes (de cinco para três). Em relação a feridos, também houve redução, de 15,8%, de 189 para 159.
— A concessão trouxe benefícios para a rodovia. Porque a gente consegue contar com equipes (da concessionária) que fazem reparos continuamente. E esses reparos, muitas vezes, evitam acidentes — destaca Kobelinski.
Segundo o chefe da PRF em Osório, com a rodovia concedida, os policiais podem direcionar seu trabalho para outras ações, já que as preocupações diminuem.
— Tendo uma rodovia com boa manutenção, bem conservada, com dispositivos de sinalização, o trânsito flui melhor. E a gente consegue, por exemplo, voltar o nosso trabalho para campanhas educativas, ações preventivas — exemplifica o policial, ao acrescentar que as rondas pela estrada são mais frequentes, aumentando a sensação de presença da PRF e consequente segurança para os usuários da via.
Segundo Diogo Stiebler, gerente de Atendimento da CCR ViaSul, a BR-101 tem um volume médio de 19 mil veículos por dia, podendo chegar a 30 mil em voltas de feriadão. Em relação a melhorias, estão previstas para serem entregues até fevereiro de 2022 passarelas para pedestres em Torres, Maquiné e Osório. Além disso, a via em si será melhorada.
— Estamos passando por um processo de recuperação da rodovia. Mais de 30% do pavimento já foi recuperado. Mais de R$ 85 milhões foram investidos. São mais R$ 76 milhões em novos investimentos para os próximos anos — adianta o executivo.
Desde a concessão, há serviço de ambulância 24 horas e guincho. A partir do quarto ano de operação, serão realizadas obras de acesso em Torres e Osório, um retorno em Osório e outras quatro passarelas em Três Cachoeiras e Osório.
Morador de Maquiné, o agricultor Gabriel da Silva Rosa, 26, avalia que o pedágio veio para melhorar a segurança da via.
— No momento que fica com o Estado, a rodovia fica abandonada. Então, melhorou bastante, ainda mais em termos de socorro mecânico e ambulâncias, se a gente precisar. E não é caro o pedágio. Então, vale a pena — argumenta.
Já o eletricista Jairo Celito, 55, que abastecia a sua caminhonete num posto de combustíveis na região de Três Cachoeiras quando falou com a reportagem, é um crítico dos pedágios.
— Todos os pedágios são bitributação. Se a gente paga imposto, eu acho que não poderia ter pedágio. Os impostos são pra quê? São também para conservação de estradas — lamenta o eletricista, ao mostrar para a reportagem vários recibos de pedágio de quando viajou de Minas Gerais para o Rio Grande do Sul.
A Estrada do Mar, que pode servir como alternativa para não pagar o pedágio da BR-101, registrou aumento de movimento desde o início da operação da praça da CCR ViaSul. Segundo o major Rafael Tiaraju de Oliveira, comandante do 3° Batalhão Rodoviário da Brigada Militar, que atende as rodovias do Litoral, essa elevação de fluxo fica entre 10% e 15%.
— A gente percebe mesmo nos finais de semana de verão. Nos dias de semana, não dá para perceber aumento. Em termos de acidentalidade, não tivemos alterações — relata o oficial.
Comerciantes notificados
Adair Cardoso Selau, 48 anos, é proprietário de uma tenda de frutas e produtos coloniais às margens da rodovia em Três Cachoeiras, há sete meses. Mas a estrutura já existia, segundo ele, antes mesmo na inauguração oficial da duplicação da BR-101, em dezembro de 2010. Selau reclama que o acesso para quem mora próximo foi dificultado com a concessão, mas demonstra preocupação maior com uma notificação para regularizar o estabelecimento, feita pela concessionária.
— Mas não falaram nada sobre o que seria. Se a gente tiver que gastar dinheiro para acesso aqui, fica inviável — teme o comerciante.
Segundo o gerente de Atendimento da CCR ViaSul, é obrigação contratual com o governo federal buscar a regularização de toda atividade que operar às margens da rodovia.
— As ocupações laterais acabam por fazer parte do ambiente de trânsito. A junção deve ocorrer baseada em normas técnicas. A concessionária está abrindo diálogo para demonstrar quais os deveres desses estabelecimentos — explica Diogo Stiebler.
Conforme o gerente, a fase atual é de explicação, mostrando o que esses comerciantes precisam fazer para estarem regulares em relação à rodovia.
— É importante que os proprietários saibam que a concessionaria não vai fechar os acessos. Vai buscar diálogo e orientação técnica para que tudo ocorra de forma estruturada — garante o executivo.
Segundo Stiebler, um exemplo de obra que precisaria ser feita pelos comerciantes é a construção de uma faixa de desaceleração para quem pretende ingressar no local e outra, de aceleração, para quem sai. Ele explica que todo esse procedimento é intermediado pela concessionária e passa por fiscalização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Histórico da rodovia
O trecho da BR-101 no Rio Grande do Sul foi construído pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), órgão do governo do Estado, entre 1947 e 1955. A partir de 1959, passou a ser administrada pelo antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), órgão federal vinculado ao Ministério dos Transportes, que desde 2001 passou a ser Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Até 1963, era uma estrada de pista simples, com pavimentação precária. O asfalto foi colocado entre 1963 e 1968. A duplicação do trecho gaúcho foi inaugurada pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
— Fiquei muito feliz em conseguir inaugurar para o povo gaúcho a duplicação da BR e o túnel de Morro Alto, uma obra que era uma demanda antiga, muito importante para o sul do país, e que precisou de muito esforço para sair do papel — disse Lula nesta semana, ao ser procurado pela reportagem de GZH dez anos depois da inauguração do trecho.
Acompanhando do recém-eleito governador Tarso Genro e de outros políticos, Lula percorreu a pé, naquela oportunidade, um trecho do túnel de Morro Alto, em Maquiné, obra que reduziu em 11 quilômetros o trajeto pela BR-101.