
Logo ao despertar, Arthur Ferreira Paim atravessa a rua que separa a casa onde veraneia com a família da beira-mar de Cidreira e confere a cor da bandeira hasteada na guarita. Ainda antes de escovar os dentes ou tomar café da manhã, o menino de sete anos imita o ato e ergue o tecido de cor verde, amarela ou vermelha na casinha armada pelo avô. Com a inscrição 177 ½, a estrutura de 2,5 metros tem, em frente, um morro de areia para amortecer a queda caso a criança precise saltar para um salvamento.
É que Arthur quer ser salva-vidas. Sonho de muita criança, o desejo é, para o menino de Viamão, um compromisso. Com os vizinhos Arthur Prado Schaussardt, nove anos, e Daniel Vasques Acosta de Souza, oito, ele forma o trio de salva-vidas mirins do balneário.
- É legal salvar as pessoas. Eu gosto - resume Arthur Paim, aos risos.
Tratada como religião, a atividade nasceu por incentivo do avô. Na cidade onde moram, avô e neto costumavam brincar de "polícia" - um era soldado, outro delegado. Mas, ao chegar no litoral, o economiário João Francisco Vaz Ferreira, 59 anos, disse que polícia, na praia, é salva-vidas. Foi o que bastou.
Desde então, o trio leva a brincadeira a sério. Observando o interesse das crianças, Ferreira juntou um monte de madeira, restos de uma obra, e construiu a miniguarita. Os próprios meninos pintaram a estrutura com a tinta vermelha e sugeriram a numeração 177 ½. A explicação é lógica: a casinha fica instalada ao lado da guarita 177 de Cidreira.
A turma monitora os banhistas pela casinha e, se avista alguém se arriscando no mar, usa do apito que complementa o uniforme para dar o alerta. Os salva-vidas "reais" entraram na onda - presentearam os aspirantes com uniformes antigos e ensinam os riscos do oceano. Não por menos, Lucimar Luis da Silva, 35 anos, conhecido por "Alemão", é o ídolo do Arthur moreno, do tocaio loiro e do amigo Daniel.
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- Eles ficam na guarita comigo quando não há muito movimento, explico sobre os procedimentos e as posturas que têm de adotar - conta Silva.
Disciplinada - fora as brigas de criança que já motivaram "demissões" da corporação -, a turma explica o que já aprendeu.
- Eles (os banhistas) têm de ter muito cuidado com os buracos e as águas-vivas. Há perigo na água: não se pode ir muito para o fundo porque a corrente puxa - ensina Arthur Schaussardt.
Da rotina, os meninos poucas vezes querem tirar "folga" - já recusaram convite de aniversário porque precisavam ficar a postos no "plantão". Nos momentos de descanso, preferem voltar à água com as pranchas para surfar. Os três desaprovam quem invade a beira-mar de carro, prática comum em frente à guarita onde "trabalham", e recolhem lixo esquecido por veranistas na areia. Nunca realizaram um salvamento de verdade, mas já têm na ponta da língua o que querem ser quando crescerem:
- Salva-vidas - dizem, em coro.
Ao entardecer de cada dia do veraneio, chega a hora de recolher a bandeira da guarita 177 ½. Arthur Paim, Arthur Schaussardt e Daniel retiram a escada da casinha, e o monte de areia é desfeito. A expectativa fica por conta da cor de bandeira que os aguardará ao amanhecer.
- Problema de afogamento não vamos ter aqui - brinca o avô Ferreira.