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Parece poesia quando alguém diz que vai tomar um ônibus para o Paraíso. Ou que vai pegar a estrada que desemboca na Harmonia. Mas é realidade, é poesia concreta: esses recantos existem, escondidos em meio à balbúrdia das grandes praias do Litoral Norte. Seus nomes e suas histórias são sugestivos para o ano que acabou de começar, trazendo a esperança de dias mais tranquilos para os próximos meses. Siga as placas: você pode chegar até a Felicidade (e, se quiser, dá para fazer escala no Jardim do Éden).
O sossego é aqui
Um lugar onde as pessoas dormem nas redes, colocam flores na janela e andam de balanço olhando para o mar.
O cenário é bem diferente do que se vê no centro de Torres, a menos de 20 minutos dali. O mar é o mesmo, bonito. O que muda é o sossego: o Paraíso não tem mais de 400 famílias - isso durante o auge do veraneio.
A infraestrutura é pouca, não tem hospital, farmácia ou posto policial. Ainda assim, vale a pena, diz a empresária Cinara Marques, há 15 anos moradora do Paraíso.
- É uma qualidade de vida que não se encontra em outro lugar - resume ela.
Todo mundo se conhece pelo nome. Graças a isso, Cinara nos leva à fonte primária: o economista Clóvis Granzotto, 77 anos, filho de Atílio Granzotto, já falecido, ninguém menos que o fundador do Paraíso.
- Meu pai chegou aqui com uma barraca e um cachorro com o objetivo de construir a melhor praia do mundo. Conseguiu - conta ele, entusiasta do balneário, cujo nome foi escolhido em 1951 por meio de enquete com moradores da Serra, região da maioria dos frequentadores do local.
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Tranquilidade bíblica
O Jardim do Éden da Bíblia inspirou o batismo de outro Jardim do Éden, mais modesto do que o original, mas considerado tão glorioso quanto por quem o frequenta.
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A glória desse lugar é a tranquilidade de não ter de disputar lugar no mar, de deixar as crianças brincando na rua, do silêncio quase sepulcral. Dizem os veranistas que vale a pena viver neste pequeno paraíso localizado entre Cidreira e Tramandaí. Isso que não tem nem padaria.
- Não se criou uma cultura de veraneio aqui. Não tem bar, não tem música alta. É só sossego - comemora o aposentado Jandir Engelmann.
Dos anos 80 para cá, o cenário do balneário mudou. Foi erguido um parque eólico na região, os surfistas descobriram uma praia propícia para o esporte e o campeonato de futebol virou uma tradição.
- A sensação é a de que estamos em um condomínio fechado, mas muito mais amplo e natural - diz o empresário Régis Engelmann, filho de Jandir.
Alegre como a vizinhança
São apenas 135 metros de praia, delimitados por duas ruas paralelas. A praia de Vista Alegre faz parte de Arroio do Sal, e é preciso admitir: mais alegre por causa dos veranistas do que pela região em si.
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Placas não indicam sua existência. É preciso indagar as coordenadas aos moradores. Eles logo sinalizam que tem Vista Alegre quem passa o verão entre as ruas Taquara e Santo Antônio, a três quilômetros do Centro. Próximo às dunas que escondem o mar, vem chegando Olinto Dal Magro, lojista em Caxias do Sul.
- Se você quer se esconder dos caxienses, não venha para cá - brinca.
Há seis anos veranista do microbalneário, em um sobrado onde todo mundo é bem-vindo, seu Olinto não tem do que se queixar. As crianças aproveitam o mar em uma localidade serena, onde todos os vizinhos se conhecem, criando um clima familiar.
Dono de uma imobiliária, Luiz Antônio Sefrin deu continuidade ao trabalho do sogro, que loteou o balneário em 2002. Fica devendo a informação sobre o porquê do nome Vista Alegre.
Mas, quase de saída, ZH vê uma cena que pode dar uma pista: um veranista sentado em um muro alto, observando a beira-mar com um binóculo. Certos de que não faria isso para se entristecer, partimos em direção à próxima parada.
Ela está bem perto
Não havia outro lugar no mundo - e ele conheceu vários - onde o velejador Paulo Vicente Gentile se sentisse mais realizado do que em Quintão, balneário de Palmares do Sul. Para marcar a história da praia, cravou uma placa no campinho que separa a morada de verão da família da beira do mar. Entre outras direções e distâncias mais ousadas - como Galápagos, a 5.404 quilômetros, e Sydney, a 12.550 -, uma especial: "Felicidade 0km".
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- Não importam os problemas da praia, o que importa é que, nesse lugar, ele viveu os momentos mais felizes da vida dele - conta Mery Gentile, viúva de Paulo.
Há dois anos, o câncer levou o velejador para uma jornada sem volta. Foi embora sem saber que, em Quintão, as pessoas se referem ao local da placa como "a praia da felicidade". Parece mesmo ser: talvez sugestionados pela sinalização, é difícil alguém passar por ali sem dar um sorriso.
De janelas abertas
Se a família estava em busca de harmonia, não poderia ter escolhido lugar melhor para recomeçar a vida. Após sofrer três assaltos e um sequestro relâmpago, Sílvio Furtado e a mulher, Kellen, decidiram mudar de cidade. Escolheram o Balneário Harmonia, em Imbé.
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- Aqui, a gente dorme de janela aberta, ninguém leva roupa do nosso varal e quem nos acorda são os passarinhos - conta Kellen.
O clima pacífico é vantajoso, diz o casal, para criar os filhos - são três, de seis, oito e 10 anos.
Agora, Sílvio está com a mão na massa, construindo um anexo à casa, onde pretende promover atividades de inclusão social e cultural para crianças da região.
Os moradores e veranistas parecem ter cuidado pelo local. Fizeram questão de instalar uma placa na pracinha central, avisando que o espaço é mantido e preservado pela própria comunidade. A única desarmonia da praia provavelmente seja um campinho de futebol que, assimétrico, só tem uma goleira
Não se sabe ao certo quando o balneário foi loteado. Conta Luli Luz, sobrinho de Nenê Luz - tido como fundador do local -, que o tio veio da Serra para trabalhar. Gostou tanto da região que ficou - e decidiu batizá-la com o nome de uma cidade na qual tinha muitos amigos: Harmonia.