Chamamos de praias gaúchas o que, a rigor, é uma só: aquele retão de areia dura e mar achocolatado onde sopra um vento chato e que se estende até as curvas, pedras e águas claras de Torres, que, temos de admitir, já é Santa Catarina. Como foram feitas demarcações de territórios nesta Grande Praia Gaúcha, o que difere um do outro no cenário literalmente único, fora um quiosque mais equipado, é o que existe beira-mar adentro rumo ao continente.
Anos atrás, costumava ser assim: a praia do descanso, que reproduzia o oásis da tranquilidade interiorana onde se conhece todos os vizinhos pelo nome, ou a praia do descanso com agitação, aquela que trazia, para alegria dos mais jovens, um tanto do frenesi da metrópole, seja de que tamanho fosse essa metrópole. A escala de grandeza de uma praia, para a garotada, era medida pela disponibilidade de pontos de diversão e azaração, da prosaica dupla sorveteria/fliperama à imbatível combinação cinema/boate do clube, luxo de poucos e mais abonados balneários. Calma ou agitada, praia era como uma terra mágica onde o tempo corre na forma dos baques provocados pelas mudanças que ocorrem de um veraneio a outro: o bebê do vizinho já tá andando, a guria desengonçada virou um mulherão, a dona fulana morreu, o pegador virou santo e tá namorando firme.
As muitas praias da Grande Praia Gaúcha estão hoje quase todas muito parecidas na opulência dos atrativos ou na decadência do abandono. As temporadas encurtaram, sumiram as tatuíras graúdas, não tem mais fila no orelhão e já não tremula no alto da guarita dos salva-vidas a desafiadora bandeira preta. Existe um mundo à parte dentro dos condomínios, pragas urbanas como a violência e os engarrafamentos incorporaram-se à rotina litorânea, e o guri de Porto Alegre não precisa mais esperar um ano inteiro para ver como a garota de Santa Rosa ficou gata - basta serem amigos no "face" e acabou aquele frio na barriga que antecedia a visão do primeiro cômoro de areia no começo da temporada.
Sobre esses apagar das luzes do veraneio, digamos, inocentemente romântico e saudosamente paroquial que marcou gerações de gaúchos foi feito um pequeno grande filme. Chama-se Houve uma Vez Dois Verões, primeiro longa-metragem de Jorge Furtado, lançado em 2002. Nele acompanhamos, com as tintas de uma divertida comédia juvenil, um drama recorrente nos veraneios da vida: rapaz se apaixona por guria e acha que eles ficarão juntos para sempre. Mas ela não, tanto que some do mapa deixando-o à deriva e desnorteado. Em meio à saga dele em busca dela, por fliperamas e sorveterias do Litoral, o filme recria a tão querida Grande Praia Gaúcha como aquele refúgio afetivo, ao mesmo tempo idílico e inóspito, catalisador das grandes descobertas e experiências. Ninguém voltava o mesmo de uma temporada na praia nos tempos em que um coração partido doía tanto quanto um torrão nas costas empapadas de Caladryl.