Por Cláudio Brito, jornalista
Meus veraneios da infância e adolescência foram em Arroio Teixeira, no Hotel Linhares. Era o tempo em que as luzes do pequeno balneário se apagavam à meia-noite, depois de a usina a óleo dar três ou quatro piscadas de aviso. De Capão até lá a viagem era pela beira da praia. Cada vez que o carro atolava na areia, para meu pai uma complicação, para mim uma brincadeira. Tenho saudade invencível do lugar, da época e das pessoas. De tantas lembranças, o Carnaval de 1961 é o que tem marca especial.
A SAPAT - Sociedade dos Amigos da Praia de Arroio Teixeira teria quatro bailes, e as famílias iriam inteiras para o salão. Não havia proibição aos menores, desde que acompanhados pelos pais. Como seu Brito e dona Clara eram animadíssimos foliões, partíamos de Porto Alegre muito bem preparados.
Camisa listrada, quepe de marinheiro para os homens, blusa floreada para as mulheres. E, pasmem, lança-perfume à vontade. Para jogar no ar, perfumando e refrescando o ambiente. Havia óculos de matéria plástica para proteção, e todo mundo se divertia inocentemente.
"Se você fosse sincera, ô ô ô Aurora/ Veja só que bom que era, ô ô ô Aurora..." todos cantávamos entusiasmados.
A orquestra mudava o embalo e o baile se arrastava com a marcha-rancho "A Estrela D'alva, no céu desponta, e a Lua anda tonta com tamanho esplendor..."
Eu jamais perderia um daqueles bailes, que para um piá de 12 anos era mais que uma viagem ao infinito. E justo naquele Carnaval minha garganta inflamou e a febre foi a quase 40 graus.
O médico foi o doutor Athanásio, dono de uma das casas mais bonitas da praia e que tinha, entre outros luxos, um refrigerador que resistia aos apagões rotineiros. A gurizada ia muito visitar o doutor Athanásio, que recebia a todos muito bem. Foi dele a receita para baixar minha febre e vencer a infecção: Terramicina, 500mg, a cada 12 horas. Disseram-me que em dois ou três dias eu estaria pronto para novos combates. Aquilo me arrasou, pois era sexta-feira e o primeiro baile seria no sábado. Reduzi o intervalo das doses por minha conta.
Se com dois comprimidos eu ficaria bom em dois dias, com o dobro de remédio estaria curado no dia seguinte, em ponto de bala para minha aventura foliã.
Verdade que ainda doía um pouco, mas as placas na garganta foram absorvidas e a febre já cedia aos comprimidos de Conmel que eu também multipliquei. Penicilina e dipirona me empurrariam ao baile onde meus amigos organizavam um pequeno cordão carnavalesco. Nada que fosse mais do que ficar dando voltas no salão.
No começo, tudo bem. Pulei e brinquei boa meia hora. Até que minha automedicação recomendou imediato recolhimento ao hotel. Sei lá o que me deu. Hipotermia, hipotensão e outros baratos que fui aprender bem depois o que fossem.
Não foi só o meu baile que acabou. Estraguei a festa da família e também tirei o doutor Athanásio do salão.
Pelo menos uma compensação. Como era noite de Carnaval, a usina funcionou a noite inteira. Não fiquei no escuro, o que, confesso, até hoje me atrapalha. Grudei no rádio, que repetidora de TV ainda não existia em nossas praias. Bem se vê que mudei pouco meus hábitos nesses 50 anos.
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