Em um movimento contrário ao que os produtores de conteúdo digital fazem, os desinfluenciadores estão ganhando destaque ao propor reflexões sobre consumo consciente. A tendência, já consolidada em países como Estados Unidos e Canadá, cresce a passos tímidos no Brasil.
Os desinfluencers, como são chamados, adotam uma abordagem crítica ao consumismo, desafiando a lógica tradicional dos influenciadores digitais, que promovem produtos e marcas.
Suzana Frare, 26 anos, é uma desinfluenciadora e conta que, até pouco tempo atrás, era muito consumista e influenciada pelos criadores de conteúdo que seguia:
— Eu gosto muito de maquiagem e eu achava que, para sustentar o meu amor pela maquiagem, eu precisava estar sempre comprando. A curiosidade pelo que os influenciadores estavam recomendando, atrelada ao comportamento de consumo, acabou me gerando muitos problemas, principalmente financeiros.
O relato de Suzana é mais comum do que parece. Segundo a pesquisa Dados e insights de Influencer Marketing no Brasil para 2025, da Influency.Me em parceria com a Opinion Box, 69% dos brasileiros já realizaram algum tipo de compra após a recomendação de um influenciador nas redes sociais.
De acordo com a psicóloga e professora da Universidade Feevale Carmen Dorneles, a internet desempenha um papel significativo para a intensificação de comportamentos ligados ao consumismo, uma vez que esse sentimento surge, muitas vezes, como tentativa de atender à necessidade de pertencimento ou, ainda, de preencher algum vazio.
— Existe uma pressão social do consumo. Esses ambientes digitais e campanhas agressivas de marketing, de uma certa forma, contribuem para esse comportamento disfuncional. Porque, na internet, todos nós temos acesso às mesmas informações. E aí eu poderia entender que também quero pertencer. Ainda mais com essa sensação de vazio que nós estamos vivendo nesses tempos com tantas fragilidades — acrescenta.
Influenciando comportamentos
Foi somente em julho do ano passado, quando ficou desempregada, que Suzana começou a repensar esse comportamento. Na época, ela já consumia o conteúdo de algumas desinfluenciadoras de outros países e resolveu compartilhar sua jornada em busca do consumo consciente no TikTok, onde já conta com mais de três mil seguidores e 80,4 mil curtidas.
— Os tipos de conteúdo que viralizam muito e que são promovidos por marcas estão muito atrelados ao consumismo, e aí a gente entra nessa rodinha que é muito difícil de sair. Criar conteúdo no TikTok acabou sendo um projeto que era para me ajudar e para eu refletir e, nesse meio tempo, as pessoas se identificaram. Isso foi muito legal, porque me deu motivação pessoal e acabou se tornando algo mais amplo do que eu imaginava — relata.
O conteúdo é bem diferente do que normalmente se vê nas redes sociais. Ao invés de fazer um vídeo mostrando todas as compras do mês, Suzana grava alguns produtos que tem e não usa faz tempo. Ou, ainda, enquanto outros influenciadores postam sobre como determinado lançamento do mundo dos cosméticos é essencial, a jovem dá motivos para não fazer uma compra impulsiva.
Iniciativas buscam "nadar contra a maré"
O professor da Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Tiago Rigo pontua que iniciativas como essa buscam nadar contra a maré. Ele cita outros movimentos interessantes que propõe o consumo consciente nas redes sociais, como o Projeto Pan, no qual os participantes não podem comprar outro produto da mesma categoria até que os existentes acabem, e o Low Buy, que incentiva as pessoas a reduzir a quantidade de compras.
— Essa é uma geração que super incentivou o consumo do fast fashion e o crescimento dos influenciadores. Eu acho que agora vem um movimento de uma tomada de consciência de: "opa, peraí, esse movimento é contra aquilo que a gente acredita”. Ou seja, que é contra a sustentabilidade em todas as suas dimensões, inclusive de consumo — avalia.
É quase que algo educativo, um comprometimento com a sociedade.
TIAGO RIGO
Professor da PUCRS
Os especialistas reconhecem que os criadores de conteúdos são capazes de influenciar os comportamentos do público, seja para o bem ou para o mal. Carmen acredita que os desinfluenciadores e as pessoas que promovem essas reflexões são importantes para ajudar a mudar alguns pensamentos e comportamentos.
Para Riggo, criar comunidades com esse propósito, mesmo que pequenas, pode ser revolucionário:
— O que a gente está tratando aqui é da atenção das pessoas. Claro que parece que falar sobre esses temas vai contra o senso comum, mas é necessário que se diga. Os influenciadores que têm essa audiência cativa, é quase que algo educativo, um comprometimento com a sociedade. Alguns deles se dão conta de que a gente precisa tornar essa pauta pública.
Suzana conta que, desde que começou a produzir vídeos com mais frequência, recebe uma série de mensagens e comentários de pessoas que querem repensar a relação com o consumo ou se identificam com a história dela. Para a desinfluenciadora, esse tipo de conteúdo gera conexão.