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Sob um telhado novo, em um quarto todo reformado, a jovem dançarina Marielly da Cruz, 16 anos, já vive a realização de um sonho. Um telhado para proteger sua família era o desejo da estudante, que mora no bairro Restinga, na Capital. A obra foi realizada por meio de uma campanha solidária.
No final de 2019, a reportagem mostrou a história da bailarina que, pela dança, expressou uma das necessidades mais urgentes do seu lar: um telhado novo. À época, ela não sabia que praticamente toda a estrutura da casa precisaria de reformas.
Durante apresentação de sua coreografia solo na estreia da Cia FlashBlack, parte de um projeto social da prefeitura, em 4 de dezembro de 2019, Marielly narrava a situação da casa, onde mora com a mãe, três irmãos e um sobrinho: “Hoje eu moro em uma casa que o telhado está prestes a cair... Há pouco tempo, deu uma chuvarada em Porto Alegre, que alagou a minha casa e eu fiquei sem cama para dormir”.
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Após o espetáculo, professoras e voluntárias se comoveram. Assim, surgiu uma campanha para a reconstrução do telhado. A obra já contemplou sala e quartos. Faltam a cozinha, o banheiro e mais uma peça.
– Foi feito o telhado na parte da frente da casa, arrumaram uma das paredes, que estava caindo. Também colocaram forros na sala, no quarto da minha mãe e no meu. Ia ser só telhado, mas descobriram que havia muitas coisas para serem arrumadas – conta Marielly.
De fato, conforme a professora aposentada Ana Araújo, 56 anos, diversas partes da casa foram reformadas para receber o telhado. Ana acompanha a obra desde o início, quando ainda coordenava uma das Escolas Preparatórias de Dança (EPDs), na Escola Alberto Pasqualini, que Marielly frequentava.
Estrutura
A professora conta que uma das paredes do quarto de Marielly desabou quando o telhado antigo foi retirado. A casa tinha, ainda, problemas elétricos e hidráulicos.
– Não dava para colocar um telhado novo em cima da estrutura que foi encontrada. A casa ia desabar. Chegamos ao valor de R$ 23 mil com a campanha, mas, quando o escritório de arquitetura nos mostrou uma proposta de reforma, o valor passava de R$ 60 mil. Aos poucos, conseguimos reformar a frente da casa – explica Ana.
Segundo ela, doações de janelas, tintas, piso, forros e cimento foram de grande ajuda para que a casa estivesse com a primeira parte pronta no final de 2020. Mas as reservas da campanha estão terminando e, por isso, a vaquinha foi retomada.
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Atraso
Devido à pandemia, a reforma começou apenas em outubro do ano passado. Segundo a mãe de Marielly, a cuidadora de idosos Joana D’arc Soares da Cruz, 52 anos, um temporal foi decisivo para o início da obra:
– Era um domingo, deu uma chuva forte e algumas telhas do meu quarto voaram, achei que tudo ia desabar. Foi quando resolvi que iria deixar a casa.
Segundo ela, a campanha foi afetada pela pandemia, mas a reforma pôde começar. Hoje, ela fica contente pelo que já foi realizado:
– Estamos felizes pelo que já temos, mas ansiosos por o que ainda tem por vir. Em 2019, não passei o Natal nem o Ano-Novo em casa. Desta vez, pudemos ficar aqui (em casa).
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Joana: “Tijolos com ‘M’ de Marielly”
Com a mão na massa, a jovem esteve presente em várias etapas da reforma, desde a reunião com os arquitetos até a hora de colocar uma parede abaixo. Entre elas, a mais especial foi a pintura do seu quarto, feito com suas próprias mãos e criatividade:
– Eu estou muito feliz. Meu quarto já tá pronto. Fiz até uma apresentação (de dança) do meu quatro novo. Ganhei cama, guarda-roupas e uma cômoda.
Questionada se falta alguma coisa, ela diz:
– Na verdade, está tudo perfeito. Mas ainda quero ter uma penteadeira.
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Sobre o sentimento de a reforma ter sido uma conquista que ela alcançou por meio da dança, Marielly não tem muitas palavras:
– Tudo isso só me dá mais força para continuar.
Conforme a professora Ana, o sonho delas é que Marielly integre uma companhia de dança internacional. E a jovem está no caminho para isso, a partir de bolsa em uma escola de dança e também na participação em outras seleções.
Sem medo
A chuva que assustava a família já não é mais um problema. Uma das grandes etapas da obra foi o levantamento de nível da casa, aumentado em 30 centímetros. Assim, a água não entra mais quando a chuva alaga o pátio. Nem pelas telhas, que agora são novas.
– Já deu tanta coisa certa até aqui que, reativando essa campanha, vamos dar atenção ao encanamento do esgoto e à finalização do banheiro – diz Joana.
Mas o maior sentimento, segundo a mãe da dançarina, é reerguer o lugar deixado por seus pais:
– Independentemente de eu e minha família estarmos em uma casa mais segura, estamos reconstruindo um império que minha mãe e meu pai deixaram. Cada tijolo dessa casa tem uma história. E, agora, tem os tijolos com “M” de Marielly que contam essa conquista.
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Diversos outros sonhos pela frente
Envolvidas em ajudar a família da dançarina, seis mulheres, professoras e voluntárias, participaram ativamente do Grupo do Telhado, como a professora Ana chama.
– A gente quer que, até o final de janeiro, consigamos terminar a obra. Como tivemos essa aceitação, conseguimos fazer mais do que nos propusemos a fazer no início. Mas, agora, vemos que o telhado era só um detalhe. Havia outros problemas, como de eletricidade, esgoto, e conseguimos ir muito além. Com brechós, a campanha e também um sarau. Esperamos que, com mais R$ 7 mil, consigamos dar o conforto que falta para a família de Marielly – detalha Ana.
Entre as apoiadoras da campanha, a psicopedagoga Verônica Alfonsin, 55 anos, integrante do grupo Amigas da Poesia, também viu de perto a evolução da obra a partir do sonho de Marielly:
– É inacreditável, havia tantos entraves, foram várias etapas para chegar até aqui. Para nós é uma maravilha sabermos que não estamos sozinhas nessa. Muitas pessoas nos apoiaram. Foi uma conjunção de fatores muito legais, que fizeram essa campanha ser linda, solidária e comunitária.
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Verônica admira o apoio que a mãe de Marielly dá a ela para continuar no sonho de ser uma bailarina reconhecida:
– Enxergamos essa obra como uma bolsa de estudos para que Marielly continue estudando e dançando. O fato é como se ela tivesse conquistado isso para a família, por meio da dança. Uma menina negra e de periferia, que dança, tem pouquíssimas oportunidades. E queremos dar isso a ela, a chance de descobrir se esse é o desejo que ela quer para a vida dela. E a Joana entende, valoriza e enxerga esse talento.
A rede que se formou abraçou a campanha, com o objetivo que Ana explica:
– Refazer o telhado foi para nos permitir a continuidade dos sonhos. É difícil sonhar quando não se tem um sono tranquilo.
Campanha continua – saiba como ajudar
/// Contribua por meio da vaquinha on-line para a finalização da obra pelo link vaka.me/1632815.
/// É possível contribuir por meio de transferências e depósitos nas contas bancárias.
/// Informações sobre os dados necessários podem ser obtidas pelo WhatsApp
(51) 99363-9390, com Ana Araújo.
Produção: Caroline Tidra