
Ser proativo contra o bullying. Resolver conflitos conversando e, se necessário, pedindo ajuda a um educador. Tratar todos com empatia e respeito: ajudar, acolher, elogiar, compartilhar, conversar e escutar.
Essas são três de uma série de regrinhas que compõem a nova edição do código de conduta e convivência lançado em 2018 pelo Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, para sua comunidade escolar. Alunos da Educação Infantil ao 5º ano ganharam a versão especial, com frases escritas de maneira simplificada (como acima), desenhos e até joguinhos.
A ideia é que as crianças criem desde muito cedo habilidades como a empatia, uma das palavras-chaves do código. Aquela máxima de “não faça com o outro o que não gostaria que fizessem contigo” é tão antiga como importante.
– Entendemos que uma das formas de prevenir o bullying é desenvolvendo habilidades sociais – destaca Luciana Motta, psicóloga escolar dos anos iniciais. – Explicamos que, no momento em que eu consigo me colocar no lugar do outro, vou ter muito mais facilidade para entender se o outro não estiver gostando de uma brincadeira que estou fazendo, para ver os sinais de desagrado.
O código foi lançado às vésperas do Dia Mundial do Combate ao Bullying, celebrado neste sábado (20). A palavra em inglês, amplamente difundida nos últimos anos e sem tradução para o português, refere-se a atos violentos, físicos ou psicológicos, em que o agressor atinge sistematicamente a mesma vítima com a intenção de ferir, machucar ou magoar sem motivação aparente, explica Angela Helena Marin, pesquisadora e professora dos cursos de Psicologia na Unisinos.
Como consequência, essa violência acaba gerando discriminação e exclusão da criança ou do adolescente. As agressões podem ser diretas (físicas e verbais) ou indiretas (indiferença, isolamento, exclusão, difamação, provocações relacionadas a uma deficiência, entre outros). Ocorrem com clareza quando os agressores estão em maior número ou são mais fortes física ou psicologicamente, deixando a vítima sem meios de se defender. A professora da Unisinos ressalva que, para a identificação desse fenômeno, é fundamental considerar o estabelecimento de relações caracterizadas pela desigualdade de poder, com a intenção de excluir – brigas de crianças e adolescentes com a mesma força em situações pontuais não podem ser consideradas bullying, assim como brincadeiras feitas por crianças de uma forma amigável ou lúdica. As consequências podem acompanhar as vítimas durante seu desenvolvimento e até mesmo refletir na vida adulta.
– Em razão de se caracterizar como uma prática de violência que gera importantes implicações físicas e emocionais, diversos estudos vêm sendo realizados com o objetivo de identificar as consequências do bullying, destacando-se a depressão e a baixa autoestima, além de problemas na vida adulta associados a comportamentos antissociais, instabilidade no trabalho, relacionamentos afetivos pouco duradouros e consequências legais – enumera Angela.
A especialista destaca também que, como o bullying ocorre na interação entre pares, o envolvimento de uma criança ou adolescente nesse fenômeno pode ter implicações para suas relações sociais. A participação em situações agressivas pode distanciá-la dos colegas, dificultando a criação de laços de amizade. Esses aspectos só reforçam a importância de os pais estarem atentos a quaisquer sinais, e, desde muito cedo, demonstrarem que estão abertos ao diálogo.
– Conversar claramente sobre o assunto, alertando sobre o que é bullying e quais suas consequências, é fundamental. Ignorar o fenômeno, tentando não incentivá-lo, é uma atitude que não costuma ser produtiva. E como algumas vezes as vítimas temem falar sobre o assunto por serem ameaçadas ou perseguidas com maior intensidade, estabelecer um laço de confiança é fundamental – conclui Angela.
Conversando, a gente se entende
Assembleias estudantis realizadas na sala de aula, entre alunos e o professor conselheiro, foram uma forma encontrada pelo Colégio Farroupilha para que os alunos consigam resolver conflitos que surgem na escola. Potes com as inscrições elogio (ou “curti”), crítica e sugestões recebem bilhetinhos anônimos, que não podem identificar alguém pessoalmente também. Eles farão parte de uma pauta que será abordada em um círculo na turma, uma vez por semana ou até trimestralmente, dependendo da idade dos alunos.
Júlia Fraporti Heller, 16 anos, conta que inicialmente demorou para os estudantes “se soltarem” nessas reuniões. Mas assim que se sentiram seguros para colaborar, surgiram resultados positivos.
– Algumas colegas nem percebiam que estavam fazendo mal – relata.
As assembleias ficaram tão populares que a equipe da escola recebeu relatos de que alunos levaram a ideia para casa, sugerindo ação semelhante com os pais e irmãos. Luciana Motta, psicóloga escolar dos anos iniciais, comenta que isso é um resultado do entendimento da assembleia como um espaço seguro de auxílio.
Dicas para os pais
Como identifico que o meu filho está sofrendo bullying?
Toda mudança de comportamento é um sinal de alerta, segundo Andréia Mendes dos Santos, psicóloga e professora da PUCRS. Se a criança era risonha e ficou mais séria, tem crises de choro, não quer conversar, tornou-se agressiva ou quer apenas se retrair no quarto, é bom começar a investigar os motivos.
Acontece também de a criança evitar falar sobre o que aconteceu no colégio ou recusar-se a voltar ao local onde sofre bullying.
– Ela simula que está doente ou até mesmo adoece de verdade – acrescenta Andréia.
Outra dica importante é manter um diálogo constante com os professores do seu filho. Solicite que eles prestem atenção na relação dele com as outras crianças.
O que faço se meu filho sofre bullying?
A primeira coisa é fazer com que a criança ou adolescente entenda que não precisa passar por isso. Explicar que ela tem mecanismos para manifestar que não está gostando do comportamento do colega e que deve levar isso ao conhecimento de outras pessoas, como os professores, ganhando forças para dizer: “comigo não”.
Manter o diálogo aberto, para que a criança comente sempre que algo lhe incomodar, é fruto de um hábito constante: tenha pelo menos uma refeição por dia em que a família se reúna, sem celular, tablet ou TV ligada; faça programas com seus filhos; valorize o tempo de ócio, incentivando o bate-papo.
– Dentro do carro, voltando da escola, é uma boa oportunidade para receber o relato de como foi o dia. Você pode dizer também uma coisa sua de adulto que aconteceu naquele dia, para incentivar que a criança fale também – sugere Andréia.
Se os pais identificarem sofrimento no seu filho, devem buscar orientações de como agir com um psicólogo. E não se esqueça de pedir que a escola tome providências, no sentido de conversar com a criança que está praticando bullying e com a família dela.
E se o problema não me parecer tão importante?
É necessário entender que sofrimento é algo subjetivo: não é necessário o consenso para afirmar que a criança está em sofrimento. O que é ruim para ela é suficiente para que não seja mais vítima daquela situação.
– Se aquilo é importante para a criança, a gente tem que acolher e dar importância também – esclarece Andréia.
É essencial a criação de um vínculo de confiança entre a criança ou adolescente e a pessoa para quem ela vai estar disposta a contar o que lhe incomoda. Muitas vezes, ela teme relatar algo por causa da provável reação do familiar, porque ou vai culpar a ela mesma ou vai ligar para o pai do colega e brigar, por exemplo.
Como identificar se meu filho está cometendo bullying?
Pela mudança de comportamento: se você observar que a criança está mais agressiva, que ela está mais explosiva, provocativa e tudo se torna um motivo para brigar, fique alerta. Converse com os professores também. É interessante observar a forma como seu filho trata seus pares. Receba os colegas do filho em casa e veja como se dá a relação entre ele e as outras crianças.
Independentemente se for confirmado que seu filho pratica, é essencial conversar sobre respeito às diferenças.
– É necessário explicar que violência não é apenas bater, violência é também deixar o outro chateado. E é preciso incentivar o exercício de se colocar no lugar do outro – acrescenta Andréia.
Também pode ser importante a família buscar orientação com um psicológico.
Saiba mais
Meninos e meninas
Estudos revelam um pequeno predomínio dos meninos sobre as meninas na prática de bullying. Por serem mais agressivos e utilizarem a força física, as atitudes dos meninos são mais visíveis. Já as meninas costumam praticar bullying mais na base de intrigas, fofocas e isolamento das colegas. Podem, com isso, passar despercebidas, tanto na escola quanto no ambiente doméstico.
Cyberbullying
Uma das formas mais agressivas de bullying, que ganha cada vez mais espaços sem fronteiras, é o cyberbullying ou bullying virtual. Os ataques ocorrem por meio de ferramentas tecnológicas e seus recursos (e-mails, redes sociais, vídeos, entre outros).
O cyberbullying extrapola os muros das escolas e expõe a vítima ao escárnio público. Os praticantes desse modo de perversidade também se valem do anonimato e, sem nenhum constrangimento, atingem a vítima da forma mais vil possível.
Critério
Os bullies (agressores) escolhem os alunos que estão em franca desigualdade de poder, seja por situação socioeconômica, situação de idade, de porte físico ou até porque numericamente estão desfavoráveis. Além disso, as vítimas, de forma geral, já apresentam algo que destoa do grupo (são tímidas, introspectivas, nerds, muito magras; são de credo, raça ou orientação sexual diferente, entre outros). Não há justificativas plausíveis para a escolha, mas os alvos costumam ser aqueles que não conseguem fazer frente às agressões sofridas.
Consequências
Os problemas mais comuns entre quem sofre bullying são: desinteresse pela escola; problemas psicossomáticos; problemas comportamentais e psíquicos como transtorno do pânico, depressão, anorexia e bulimia, fobia escolar, fobia social, ansiedade generalizada, entre outros. O bullying também pode agravar problemas preexistentes, devido ao tempo prolongado de estresse a que a vítima é submetida. Em casos mais graves, podem-se observar quadros de esquizofrenia, homicídio e suicídio.
Fonte: Cartilha do Conselho Nacional de Justiça