Thaís da Silva dos Santos tomava o anticoncepcional direitinho, mas daí sem saber usou um antibiótico que cortava o efeito da pílula, e pronto!, engravidou. Foi no ano passado, quando tinha 16 anos e viajava todos os dias até a zona central da cidade para cursar o 1º ano numa escola estadual, porque não conseguiu vaga de Ensino Médio na região do Rubem Berta, onde se criou. Ela contou para duas amigas, que ficaram faceiras e se candidataram a ser dindas, e continuou indo ao colégio até outubro, quando a barriga começou a aparecer. E então largou os estudos.
– Parei, era muito enjoo, muita coisa na cabeça. É um sono também, a gente acaba não prestando atenção nas aulas. A maioria não termina o Ensino Médio, a maioria também engravida e deixa os estudos. As meninas saem do colégio, e os meninos também, para trabalhar. É difícil, a gente acaba pensando nisso 24 horas, pensando como é que a minha mãe ia reagir, o que ela ia falar. Porque não contei de primeira para minha mãe, fui contar só depois, quando estava de quatro para cinco meses. Era medo da reação dela. Ela descobriu quando me viu, ela só olhou pra minha barriga e perguntou se eu estava grávida. Foi um alívio quando eu contei.
Mulher, negra, de periferia, filha de uma doméstica, sem emprego, sem Ensino Médio, com um filho, morando com a sogra enquanto constrói uma casa nos fundos, essa é Thaís. Thalles nasceu em março, do relacionamento que já tem três anos com o auxiliar administrativo Araju Leandro Ribeiro, 25 anos, também com Ensino Médio incompleto.
A adolescente de 17 anos diz que foi "um pouquinho ruim" abandonar o colégio, porque sempre ouviu dizerem que precisava terminar o Ensino Médio para conseguir emprego. Conta que até pensou em se rematricular neste ano, mas Thalles ainda estava mamando no peito, logo era melhor deixar para o futuro, quando ele já estiver grandinho. Não que Thaís sinta ter grandes aptidões para o estudo.
– Eu até não era tão vidrada assim em escola, eu ia mais porque a minha mãe mandava eu ir, "Vai pro colégio, Thaís, pra ser alguém na vida". Minhas notas eram mais ou menos, variava. Repeti a quarta ou a terceira série. Mas quero terminar o Ensino Médio, porque senão fica difícil o emprego.
Thaís não é de reclamar. Diz que nunca parou para ler um livro, mas considera que recebeu um ensino de qualidade na escola pública. Sua ambição é fazer um curso de cabeleireira e trabalhar nisso. Nunca se sentiu alvo preconceito por ser negra, "graças a Deus, porque agora respeitam, não é como antigamente que havia racismo". Pelo contrário, quando chamam ela na rua é para dizer "Ah, como tu és bonita, que lindo o teu sorriso". Ser mulher também não é um problema para ela, porque emprego não é tão difícil, porque não acha que exista algum preconceito.
Só quero mesmo é terminar meus estudos. Comigo, nós três juntos, estou bem satisfeita.
Thaís da Silva dos Santos
– Conheço uns que respeitam as esposas e as namoradas e conheço uns que não respeitam. Mas não gosto de me meter – diz ela.
Você é feminista, Thaís?
– Não! Normal! Normal! Não gosto muito. Não sei dizer. Às vezes acabam falando muito nisso e fica enjoativo esse feminismo. Muito da mesma coisa acaba se tornando chato – opina ela.
Thaís sabe que foi batizada, mas não em que igreja, porque não se importa com religião. O batismo do filho foi chamar um casal de amigos em casa, acender uma vela, fazer uma cruz na testa e deixar que ele escolha alguma fé no futuro, se achar que vale a pena. Também não se interessa por política, mas considera errado pagar parcelado o salário de quem trabalhou. Internet é para olhar o Facebook ou consultar o famoso Dr. Google sobre alguma dúvida com a saúde de Thalles, enquanto o dia de ir ao médico não chega. Sabe que muita gente é contra os gays, que não podem ver e já falam "Que pouca vergonha", enquanto ela própria aceita bem e defende que todo mundo tem de ser livre.
– As pessoas que eu conheço, aceitam, até porque a novela mostra bastante. Se tem uma pessoa que é gay, acho que olhando aquilo, olhando a filha contar pros pais, acho que aquilo já dá uma ajuda para também contar pros pais dela. A pessoa tem de ter liberdade, porque ela nasce assim, não vira de uma hora pra outra, ela nasce.
Em comparação com a geração da mãe, entende que a sua é mais solta e liberal, às vezes até em demasia, porque considera exagerados os palavrões dos bailes funk que tanto atraem os da sua idade. Ela prefere passear com o marido no shopping ou ir a alguma praça, e diz que ficou mais caseira e madura, sem vontade de sair a toda hora, depois do nascimento do filho. Não estava preparada, não sabia quase nada, sofreu no começo, mas agora se sente à vontade com as fraldas e a mamadeira. E diz que ficou mais séria. É a jovem com menos instrução e com condições materiais mais difíceis entre os retratados desta reportagem, mas talvez seja também a que está mais satisfeita, que almeje menos do futuro.
– O que eu quero que melhore na minha vida? Acho que na minha vida não tem muito. Só quero mesmo é terminar meus estudos. Comigo, nós três juntos, estou bem satisfeita. O Thalles veio com bastante saúde. Não preciso me preocupar com nada. Para mim, assim está bom. Agora vamos construir a casa ali atrás e é isso.
Raio X
Thaís da Silva dos Santos, nascida em 5/4/2000
Uma prioridade: "Thalles".
Um ideal: "Estudos".
Um herói: "Não tem".
Defina a educação que você recebeu: "Boa".
Que papel você espera ter na sociedade: "Cabelereira".
Qual a importância do trabalho: "Um futuro melhor".
Um livro, um filme e uma referência musical: "Filme: Intocáveis. Música: pagode. Livro: nunca parei para ler".
O fato histórico mais importante desde que você nasceu: "Não sei dizer".
Defina em uma palavra a sua geração: "Simples".
Defina em uma palavra a geração dos seus país: "Puxada".
Para onde caminha o Brasil: "Ainda acho que pode melhorar".
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