Marcella Cesa Bertoluci pretende começar no próximo ano uma graduação em Administração – Gestão para Inovação e Liderança, mas não pretende esperar pelo diploma para se dedicar à administração, à gestão, à inovação e à liderança. O que ela quer, o quanto antes melhor, é lançar sua própria empresa, um negócio no ramo da gastronomia sobre o qual ainda guarda mistério, para fazê-lo explodir e ganhar o mundo.
Filha de um médico e de uma nutricionista de Porto Alegre, Marcella, 17 anos, não sente nenhuma atração pelo caminho tradicional de buscar um emprego estável e bem remunerado:
– Meu objetivo, pensando muito alto, é espalhar pelo mundo o meu empreendimento. Gosto de ter um impacto grande. E, sei lá, meus objetivos incluem, com o dinheiro do meu empreendimento, abrir outros empreendimentos. Fazer que seja um mar de inovação para mudar o mundo.
Quando o assunto envereda por temas como política ou feminismo, Marcella torna-se evasiva, desconfiada, evita polemizar. Mas basta perguntar sobre seu interesse pela gestão e pelos negócios para abrir o sorriso e soltar o verbo, contar como foi influenciada pela irmã mais velha, que questionava o porquê de todo mundo ter de seguir a boiada – Ensino Médio, faculdade, emprego, tudo muito certinho e preestabelecido –, em lugar de criar um caminho original.
Como pôr essa filosofia em prática? A revelação veio em 2016, quando participou do programa Miniempresa, da Junior Achievement (JA), que desafia estudantes a organizar e operar um empreendimento durante 15 semanas. O grupo de Marcella no Colégio Farroupilha, escola de elite da Capital, escolheu como produto um suporte para carregar celulares. Marcella queria ser a presidente da empresa, mas não conseguiu, disputou a direção de marketing, e também não foi a eleita, mas não se exime de dizer que, no final das contas, teve um papel preponderante:
– Passou um tempo e a diretoria começou a desandar, e daí fomos eu e uma amiga que organizamos as coisas. Eu tive o papel de presidente sem ser presidente, entendeu? Essa experiência significou muito para mim. Pela primeira vez, tive a oportunidade de perceber que eu consigo fazer as coisas por minha conta.
A gente quer ter a liberdade de fazer o que quiser. Não me imagino como empregada de uma empresa, prefiro inovar a ter que cumprir o protocolo de sempre.
Marcella Cesa Bertoluci
Entre as escolas que participaram do programa no semestre, o grupo de Marcella foi premiado como melhor miniempresa e melhor gestão de marketing. E foi desse jeito que ela descobriu o que queria fazer na vida. Entrou para um grupo do JA que reúne jovens ávidos por continuar em contato com o empreendedorismo, começou a participar de eventos e acabou atuando em um projeto que visava desenvolver propostas inovadoras de impacto social.
A proposta do grupo de Marcella era criar um evento para aproximar crianças à espera de adoção de casais que estão na fila de espera para adotar. A adolescente explica que, embora existam mais casais do que crianças, esses casais procuram um perfil específico, basicamente recém-nascidos. Por isso, permanecem à espera. Ao mesmo tempo, há muitas crianças acima de oito anos prontas para uma adoção que dificilmente virá. Juntar esses dois grupos era o foco do trabalho.
Mas Marcella deparou com uma dificuldade: diz que ficou só – os outros participantes se dispersaram, desistiram.
– Foi trabalhoso. Fui atrás do juiz da infância e da juventude, consegui conversar com ele, e ele adorou a ideia, conseguiu os casais e o contato com as casas de passagem. Falei com o Farroupilha, e o colégio abraçou a ideia.
Em 17 de julho, um evento de integração entre 18 crianças de oito a 17 anos e 21 adultos ocorreu nas dependências da escola, sob a batuta da adolescente. Eles passaram uma tarde participando de brincadeiras e conversando. Semanas depois, Marcella foi informada de que, graças à iniciativa, estavam em andamento cinco processos de adoção.
– Eu não acreditei! Mas depois que vi as fotos, tipo, dava pra ouvir a vozinha das crianças, dava para ouvir os casais interagindo com elas. Muito incrível.
No dia 11 de novembro, ocorre uma segunda edição do evento, e como falta de ambição é algo que Marcella definitivamente não tem, ela já planeja espalhar a iniciativa pelo país e pelo mundo. Esse desejo seria generalizado entre os mais jovens, uma marca da geração 2000, acredita Marcella:
– A gente quer ter a liberdade de fazer o que quiser. Eu não me imagino como empregada de uma empresa, prefiro inovar a ter que cumprir o protocolo de sempre. E vejo que essa ideia está crescendo, que os jovens querem andar com as próprias pernas, querem sair da caixa. Para ter um impacto, tu não precisas necessariamente começar em um emprego tradicional.
Raio X
Marcella Cesa Bertoluci, nascida em 11/9/2000
Uma prioridade: "Família".
Um ideal: "Respeitar o próximo como respeita a si mesmo".
Um herói: "Meu pai".
Defina a educação que você recebeu: "Cada ensinamento que me foi passado, tanto pela minha família, quanto pela minha escola, foi essencial para me tornar quem eu sou hoje. Procuro sempre respeitar os mais velhos, ajudar quem precisa e fazer o bem, sendo esses os principais valores que me foram passados".
Que papel você espera ter na sociedade: "Espero ser alguém que mostre para os outros como o empreendedorismo pode melhorar a vida das pessoas".
Qual a importância do trabalho: "Vejo o trabalho como uma representação da utilidade humana na Terra, de como podemos fazer as coisas acontecerem a fim de receber outras em troca".
Um livro, um filme e uma referência musical: "Geração de Valor, de Flávio Augusto da Silva; Estrelas Além do Tempo; Lindsey Stirling.
O fato histórico mais importante desde que você nasceu: "Queda das Torres Gêmeas, pois provocou uma enorme mudança na política mundial, mudando a maneira como enxergamos as pessoas e suas ações. Além de ter desencadeado diversos eventos que hoje são um estigma na história da humanidade".
Defina em uma palavra a sua geração: "Instantânea".
Defina em uma palavra a geração de seus pais: "Momentânea".
Para onde caminha o Brasil: "Dependendo se usarmos os recursos que nos são fornecidos para melhorar o país, podemos ter um futuro bem promissor".
Tomar um caminho diferente dos outros sem se preocupar com a opinião alheia é uma marca geracional, defende Maicon Rambo. O adolescente está no terceiro e último ano do seminário, engrenado na rotina de madrugar para a oração diária e seguir até a noite em atividades de formação.
A adolescente que se criou no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre, relata ter ficado mais madura com o nascimento do filho. Thaís da Silva dos Santos engravidou no ano passado, aos 16 anos. Largou os estudos quando a barriga começou a aparecer.
Rosana dos Santos Pereira estuda no colégio Anchieta (onde só identificou mais um aluno negro). A jovem, que não lembra de ter sido atendida por um médico negro ao longo da vida, está se preparando para fazer Medicina.
Acadiel Alex Perius tem dificuldade de conviver com gente da sua idade, porque quase não há adolescentes por perto. Vive na propriedade rural dos pais, empenhado em fazer aquilo que tantos jovens de sua geração não desejam: ficar no campo.
A adolescente que militou durante as ocupações das escolas estaduais em 2016 se define como seguidora do feminismo classista. Julia Souza Cruz foi embora de Porto Alegre este ano para viver com a família em Portugal.
Josué Carvalho Moraes, morador de Viamão, defende o sexo só após o casamento. O adolescente de 17 anos tem como ídolo político Jair Bolsonaro e está ansioso para dar seu primeiro voto nas eleições de 2018.