O videogame ajudou Maicon Rambo a querer ser padre. Tinha ele 13 anos, chegou à paróquia de Portão um vigário recém-ordenado que gostava de rock e convidava os guris para comer pizza e jogar no Xbox. Mas chamava também para ir a asilos e para ajudar as pessoas. Era cativante e feliz aquela vida, pensou Maicon, provava que era possível ser padre sem deixar de ser quem se era.
– Vi como ele se sentia feliz, tinha tempo para se divertir, mas também para atuar na comunidade – lembra.
Com 14 anos, Maicon pensou muito a sério no assunto e foi construindo uma decisão, enquanto os colegas da escola achavam que era só brincadeira. Mas com 15 seguiu para o estágio de uma semana no Seminário Menor São João Maria Vianney, em Bom Princípio. Seminário Menor é uma coisa que quase não existe mais, eles foram fechando e encolhendo, sequer são requisito para o sacerdócio, obrigatórios são os cursos superiores de Filosofia e Teologia, enquanto o Seminário Menor é feito em conjunto com o Ensino Médio.
Lá em Bom Princípio, vivendo a rotina de seminarista de manhã cedo à noite, Maicon se convenceu: era o que queria. Lá estava um adolescente nascido num mundo de muita tecnologia e pouca religião, pensando em ser padre. Nada a ver com essa geração. Ou será que tem tudo a ver? Maicon acha que tomar um caminho diferente de quase todos, sem se preocupar com a opinião alheia, é a marca dos seus contemporâneos:
– Antigamente, as pessoas faziam muita coisa por influência da sociedade, porque os pais queriam, porque os amigos queriam, frequentavam a religião porque eram obrigados. Hoje em dia, não vejo tanto isso, não tem mais tantos padrões para tu seguires, tu tomas uma decisão porque tu vês que isso é melhor pra ti. A nova geração se preocupa mais em ser feliz mesmo, e cada um encontra o seu jeito. E muitos hoje não pensam mais em ganhar dinheiro, sabe?
Maicon também acha que sua geração é imediatista, quer respostas instantâneas e está acostumada a receber tudo pronto, mal acostumada pela tecnologia e pela internet, e ele não quer ser assim, apesar de sentir que tem essas características dentro de si. Tenta não usar tanto o celular e as redes sociais, procura ter mais relações presenciais do que virtuais, esforça-se para não sucumbir às tentações do Google.
Toda escolha exige renúncia. Se tenho um ideal, se penso em ser padre, tenho de fazer o que tenho de fazer. E não por obrigação, mas por opção
Maicon Rambo
– A gente recebe tudo pronto numa rede social, na internet. Não tem mais aquela coisa de procurar e lutar por aquilo. Não tem aquela coisa de ler livros. Noto que sou menos paciente para ler um texto longo. Quando vai escrever uma redação, a maioria dos jovens não consegue escrever, ter ideias, montar argumentos, porque está tudo muito pronto na internet.
O adolescente está agora no terceiro e último ano do seminário, engrenado na rotina de madrugar para a oração diária das 6h15min e seguir até a noite em atividades de formação, que incluem as aulas de Ensino Médio num colégio estadual. Sua cama fica no dormitório coletivo para sete seminaristas, em um canto onde mangás convivem com a Bíblia e que ele personalizou com bonecos Pokémon, desenhos que fez de personagens japoneses, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e um Cristo de pano que confeccionou de acordo com a tradição das bonecas abayomi, de origem iorubá.
Quer que respeitem a sua opção pela religião, assim como respeita quem não tem religião nenhuma, quer que compreendam a senda da castidade, assim como aceita a abertura dos outros aos prazeres do sexo, seja ele hétero ou homossexual, porque está convencido de que ninguém deve fazer nada por pressão, por imposição. Mas revela que a renúncia ao sexo espanta seus pares:
– É uma coisa que muitos perguntam, não acreditam que possa viver sem o ato. Acredito que toda escolha exige renúncia. Se for casar com alguém, renuncio a muitas outras coisas. Muitos acham que não tem sentido, mas se eu tenho um ideal, se penso em ser padre, tenho de fazer o que tenho de fazer. E não por obrigação, mas por opção.
Os dias de Maicon no Seminário Menor estão perto do fim. No ano que vem, ele segue para o propedêutico, que é um ano de formação prévio à entrada na faculdade de Filosofia. Depois, vem a Teologia e, na sequência, a ordenação. Ou não:
– Eu não sei ainda se vou ser padre, sabe? Tem um longo caminho a percorrer. Estou aqui para ver minha vocação. Claro, tem uma ideia de que eu quero ser padre, mas ao mesmo tempo tem uma ideia de que eu quero ser outra coisa. Mas por enquanto é aqui que eu quero estar.
Raio X
Maicon Rambo, nascido em 14/2/2010
Uma prioridade: "Servir".
Um ideal: "Um mundo melhor, a partir da propagação do amor".
Um herói: "Papa Francisco".
Defina a educação que você recebeu: "Sempre fui muito livre, mas ensinado a ter responsabilidades".
Que papel você espera ter na sociedade: "Pretendo fazer algo em que eu possa ajudar pessoas, por isso, penso em ser padre".
Qual a importância do trabalho: "O trabalho deve ser algo que nos realiza, que nos dá prazer. É a partir dele que nos sentimos necessários e gratificados".
Um livro, um filme e uma referência musical: "Mesmo se tratando de um livro 'infantil', gosto muito de O Pequeno Príncipe. Tenho especial apreço por filmes históricos, e dentre eles um dos meus preferidos é Batismo de Sangue. Quanto à música, gosto muito da banda Mato Seco".
O fato histórico mais importante desde que você nasceu: "Quando decidi sair de casa e ir para o seminário".
Defina em uma palavra a sua geração: "Velocidade".
Defina em uma palavra a geração dos seus pais: "Rigidez".
Para onde caminha o Brasil: "O Brasil caminha para a indiferença, onde preocupamo-nos apenas com nós mesmos e com o nosso desenvolvimento, e esquecemos daqueles que tem seus direitos violados, pelos quais vale a pena lutar, e a mudança parte da conscientização de cada um e da mudança do mundo particular de cada pessoa".
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