Acadiel Alex Perius tem dificuldade de conviver no dia a dia com gente da sua idade, porque quase não há adolescentes por perto, porque quem pôde foi embora. Vive na propriedade rural dos pais, a uns quatro quilômetros da zona urbana de Campina das Missões, lá naquele canto do Estado que costeia a Argentina e está muito mais perto do Paraguai do que de Porto Alegre, empenhado em fazer exatamente aquilo que tantos jovens de sua geração não desejam: ficar no campo.
Acadiel já sentia que havia algo de diferente com ele durante o Ensino Médio, concluído em 2016 em uma escola estadual, porque gostava de falar de tratores e vacas e plantações, mas os colegas não queriam saber disso.
– Acho que eu era o único piá do interior, minha turma era toda da cidade. Querendo ou não, o cara não se sente à vontade, não se inclui. Eles não entendiam que a minha profissão em casa tinha algum valor. Para eles, quem quer ficar no Interior é vagabundo. Tem um preconceito. A maioria dos jovens não quer ficar no campo porque, na visão da cidade, o agricultor passa o dia inteiro sentado na sombra, não trabalha. Acham que trabalho importante é o da cidade. Por isso, como os jovens foram embora, tenho muito pouco contato com pessoas da minha idade. Sinto falta, porque ficaram pessoas mais velhas. É um trabalho solitário.
Onde ele se sentia e sente à vontade é na Casa Familiar Rural, instituição voltada a capacitar e manter a garotada no campo. São atividades a distância, mas também dois dias quinzenais de aulas presenciais, em Santo Cristo, a 40 quilômetros, onde Acadiel encontra guris com os mesmos interesses, companheiros de um grupo de WhatsApp onde os assuntos giram sobre o que fazer para as propriedades renderem mais. Lá, Acadiel aprendeu, por exemplo, a colocar no papel despesas e receitas e calcular a lucratividade de um empreendimento rural. Pôs mãos à obra e verificou que os 20 hectares da família, dedicados à produção leiteira, poderiam oferecer uma renda melhor do que aquela que ele conseguiria trabalhando em algum escritório na zona urbana. Se ele já queria ficar por gosto, passou a querer também pelo bolso.
– Calculei o lucro de cada um da família e sobra para mim R$ 2 mil, R$ 2 mil e pouco por mês. Sem uma faculdade, não sei se o cara consegue isso aí numa cidade. É melhor do que ir para lá ganhar um salário mínimo, uma merreca. Aqui, se eu quero carne, é só ir no potreiro e matar um boi, e tenho galinha, e tenho leite, tenho tudo em casa. Sou dono do meu próprio negócio, faço o que eu quero. É um serviço judiado, 365 dias por ano, mas dá um retorno.
Permanecer no campo para jovens como Acadiel não é só continuidade, também é ruptura, porque eles trazem uma formação diferente, acreditam na educação e na técnica, não se limitam à tradição passada de pai para filho. Quando completar 18 anos, em janeiro, Acadiel planeja tirar a carteira de motorista para poder ir todos os dias a Guarani das Missões e frequentar um curso de técnico agrícola.
A maioria dos jovens não fica no Interior porque, na visão da cidade, o agricultor passa o dia inteiro sentado na sombra, não trabalha.
Acadiel Alex Perius
As novidades que aprende, ele vai implantando, às vezes contra a vontade dos pais, como correção de solo, melhoria das pastagens, rações de melhor qualidade, aprimoramentos genéticos – ideias que também pesquisa na internet ou que são compartilhados por amigos no Facebook ou no WhatsApp. Em pouco tempo, as inovações que Acadiel adotou elevaram a produção da propriedade da casa dos 600 litros para 800 litros de leite por dia, sem mexer na quantidade de vacas. Antes reticentes, os pais passaram a consultar o filho com reverência.
– A educação é muito importante, faz diferença. Para o cara se manter aqui no meio rural, tem de produzir mais a cada ano. Então tem de se aperfeiçoar, né? É o único método. Na geração dos meus pais, eles eram obrigados a fazer o que os pais deles mandavam, aprenderam com os pais deles. Têm um pouco de medo de implantar coisas novas. Aos poucos fui mostrando que as novidades se pagam. Eles agora dão atenção às minhas opiniões, porque eu dou retorno. Acho que o jovem de hoje vai trazer mão de obra qualificada para o campo, porque minha geração quer se profissionalizar, quer produzir mais.
Rio X
Acadiel Alex Perius, nascido em 26/1/2000
Uma prioridade: "Mostrar para mais gente que o Interior vale a pena".
Um ideal: "Quem ficar no Interior vai ter futuro".
Um herói: "Não tenho".
Defina a educação que você recebeu: "Foi de qualidade, não tenho reclamação. Escola pública ou particular, não muda muita coisa".
Que papel você espera ter na sociedade: "Ser uma referência de alguém que se superou no campo, que teve uma vida boa morando no campo".
Qual a importância do trabalho: "É tudo, sem trabalho não tem renda no final do mês. Tem de ser algo que o cara goste, que o deixe feliz".
Um livro, um filme e uma referência musical: "Nunca fui muito de ler, sinceramente, não é minha área. Filme, Indiana Jones. Na música, eu gosto mesmo é de bandinhas".
O fato histórico mais importante desde que você nasceu: "A corrupção nos últimos tempos".
Defina em uma palavra a sua geração: "Superação".
Defina em uma palavra a geração dos seus pais: "Pode ser uma frase? Abrir espaços para o jovem. Oportunidade, essa é palavra".
Para onde caminha o Brasil: "Um futuro bom. Querendo ou não, todo país tem corrupção. Com o tempo isso vai se corrigir, tem uma boa perspectiva".
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