Além de alterar as regras para a aposentadoria, a reforma da Previdência pode também dar fim às isenções de contribuições concedidas a entidades filantrópicas. A extinção não está na proposta do Executivo, mas deve ser incluída pelo relator do projeto na Câmara, o deputado Arthur Maia (PPS-BA). Com isso, instituições argumentam que bolsas de estudo, atendimentos de saúde e assistência social estão ameaçados.
Arthur Maia vem sinalizando à imprensa desde o mês passado a intenção de acabar com essas isenções. No final de fevereiro, ele afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que iria incluir o fim dessas desonerações em seu parecer, e as classificou como "aberração". Apenas neste ano, conforme o veículo, a Previdência deixaria de arrecadar R$ 12,45 bilhões por causa das isenções, que desobrigam as entidades de pagarem a parte do empregador ao INSS. Em junho de 2016, a revisão das desonerações das contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento das empresas e para entidades filantrópicas chegou a ser uma sugestão das centrais sindicais como contraproposta da reforma ao governo.
De acordo com as entidades, no entanto, o governo estaria dando um "tiro no pé" ao acabar com as desonerações. Uma pesquisa realizada pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif) aponta que a cada R$ 1 em isenções fiscais, essas entidades retornaram R$ 5,92 em serviços de saúde, educação e assistência social. Por ano, essas organizações realizam em média 161 milhões de atendimentos nessas três áreas. Ainda segundo o Fórum, que representa 9 mil instituições filantrópicas do país, essas entidades são responsáveis por 53% dos atendimentos pelo SUS e 62,7% dos relativos à assistência social no Brasil.
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– Isso é uma loucura, é uma economia burra. Como o governo irá realizar todos esses atendimentos sem as entidades filantrópicas? O setor representaria apenas 2,87% da arrecadação da Previdência. Da bolsa empresário, ninguém fala – criticou o presidente do Fonip, Custódio Pereira, referindo-se às especulações de que o parecer do relator teria em seu conteúdo apenas o fim das desonerações às filantrópicas, e não a outros setores.
Conforme pesquisa do Fonip, o total de isenções às empresas chegou a R$ 385 bilhões em 2014, comparado a R$ 10,5 bilhões destinados às filantrópicas.
A assessora jurídica da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Cristiane Paim, afirmou que a proposta de extinção da filantropia gera pânico na área da saúde.
– Somos responsáveis por 67% dos leitos do SUS. Temos 245 hospitais filantrópicos, sendo que, em 197 municípios, o único hospital da cidade é deste tipo. Certamente essa medida causará fechamento de hospitais e demissões – alerta.
Deputado criticou isenção a rede de ensino
ZH tentou falar com o deputado Arthur Maia, mas não obteve retorno até o horário de publicação da reportagem. No jornal A Tarde, após evento com empresários em Salvador na segunda, o parlamentar criticou instituições que destinam 20% de suas vagas para bolsas de estudo gratuitas, mas têm 100% de desoneração.
Na área da educação, as filantrópicas atendem 600 mil bolsas de estudo no país, 100 mil delas apenas no RS. O presidente do Sindicato do Ensino Privado do Estado (Sinepe-RS), Bruno Eizerik, afirma que 50 mil estudantes do Educação Básica e 50 mil do Ensino Superior poderão perder suas bolsas de estudo caso o fim das desonerações seja aprovado:
– Essa medida afetará alunos carentes que ganham 50% ou 100% de bolsas nas escolas de ensino básico e os que participam do Programa Universidade para Todos (Prouni). Também pode provocar a demissão de professores.
O sindicato chegou a promover um abaixo-assinado online contra a proposta de Maia. O Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Estado (Sinpro/RS) afirmou que ainda não tem uma posição sobre o fim da isenção às instituições filantrópicas, mas que encaminhou às instituições de ensino um manifesto contra toda a proposta da PEC, que dá fim à aposentadoria especial da categoria.
Especialista em Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB), o professor José Matias-Pereira afirmou que essas desonerações precisam ser discutidas, pois a Previdência não pode fazer concessões, sob pena de ter de passar por novas reformas periodicamente. No entanto, é necessário que o governo apresente alternativas para os setores envolvidos:
– É preciso encontrar mecanismos de proteção aos segmentos para resolver os problemas deles dentro de suas áreas, como o Ministério da Saúde e da Educação.
Nesta quarta-feira, foi encerrado o prazo para que os parlamentares apresentassem emendas ao projeto. O relator deve apresentar seu parecer na primeira semana de abril.