Com a venda de maconha nas farmácias a partir deste ano, o Uruguai caminha para ser a "Holanda da América Latina"?
Não queremos isso, não está dentro dos objetivos políticos e jurídicos da lei. Os países vizinhos têm que ter a tranquilidade de saber que este é um problema uruguaio, e que não vamos gerar problemas a eles. Os fins da lei não são a promoção do consumo. Se eu me coloco num esquema de turismo canábico, promovo o consumo. Regulamos para atacar em parte o problema, porque não o resolve completamente. Temos uma política de consumo responsável e redução de riscos. É uma regulação, não liberação. Fizemos o mesmo com o álcool e o tabaco. Há que se derrubar muitos medos e preconceitos. Algo que sempre foi ilegal gera medo. Temos que proteger esse começo, esse processo inicial.
Em visita ao litoral, nossa equipe constatou que a fiscalização contra o tráfico é quase nula. Isso vai mudar com a comercialização nas farmácias?
Não vivemos num Estado policialesco. Nossas forças estão cada vez mais capacitadas para uma intervenção inteligente e com respeito aos direitos humanos e dignidade da pessoa. Tu não vais encontrar forças de choque que passam por uma esquina e veem jovens e, na dúvida, os coloquem numa caçamba e levem para a delegacia para descobrir se eles estavam fumando maconha. Tampouco temos um policial a cada esquina para controlar que não se fume. Se a partir de uma denúncia ou de ronda policial se detecta alguém vendendo, a pessoa vai presa.
O que pode acontecer a um turista brasileiro que vai ao Uruguai e compra maconha?
Vai preso. Se ele compra nas ruas, não há dúvida de que está fora da lei. Se vai a uma farmácia e adquire cannabis, tanto o dono do comércio quanto ele são presos. É bom que o brasileiro saiba que, quando procurar maconha aqui, alguém até pode dizer "fique tranquilo, é legal". Estão lhe metendo uma mentira.
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Qual é a diferença hoje entre o combate ao narcotráfico e ao pequeno tráfico envolvendo turistas?
O narcotráfico tem o tratamento de sempre, mas foram sofisticados o controle, a inteligência e a tecnologia contra ele. As detenções são muito mais eficientes do que no passado. Temos de dar garantias à comunidade internacional, especialmente aos países vizinhos, de que se cumpra o que estabelece a lei. Há projetos para a criação de juizados especializados para dar um tratamento mais eficiente e diferenciar o que é microtráfico e narcotráfico. Não há medos. Sancionamos uma lei que cobre todos os aspectos para minimizar os riscos do consumo e praticamente inviabiliza, do ponto de vista comercial, a produção de maconha (caseira) para venda.
Então o Uruguai garante que não haverá um turismo canábico no país?
Se existir, não tem nada a ver com a lei e com o que estamos implementando. É muito importante que o turista saiba que não pode vir e comprar. Pode até encontrar quem venda, mas está fora da lei. Por isso, faremos uma grande campanha de informação e sensibilização. Estamos recém iniciando o processo.
O senhor trabalha ao lado do presidente Tabaré Vázquez. Ele mostrou ter ressalvas à regulação de maconha. É possível que ela seja revogada na gestão dele?
Ele disse sempre que tinha dúvidas com o tema, mas que vai cumprir a lei. Temos de trabalhar muito bem, não podemos fracassar. Temos de analisar cada passo dado. Não existe uma vontade política de retroceder no projeto. Os passos concretos que estamos dando dizem que vai funcionar, e vai funcionar bem. Se no futuro houver alguma mudança, não será no sentido contrário, e sim em retificar algum ponto para melhorar o mecanismo. Neste governo, não voltaremos atrás.