Nova York Em uma tarde fria de outubro, poucas semanas depois de Rachel Comey ter exibido sua coleção primavera/verão em um jantar no Brooklyn, algumas de suas admiradoras foram ao estúdio, em Lower Broadway, para conferir as novas criações.
- Ah, adorei este aqui - , disse Loring Randolph, uma diretora de galeria de arte de 32 anos, examinando um vestido de brim.
Elizabeth Roberts, arquiteta de 44 anos, estava mais interessada em um macacão marinho. - Desde que comecei a comprar as roupas dela ficou tão mais fácil me arrumar de manhã! Eu posso ter uma reunião em casa e depois ir direto para o MoMA, dá sempre certo. -
A porta do elevador se abriu e Maggie Gyllenhaal entrou, usando uma blusa verde-oliva e uma calça preta folgada por dentro da bota de cano alto Rachel Comey.
- Quer dizer que o Peter não está bom? - , pergunta Comey, referindo-se ao marido da atriz, Peter Sarsgaard, que estava resfriado. Depois de um papo breve sobre filhos e pediatras, a cliente famosa notou um par de mocassins pretos masculinos. - Maravilhosos - , disse ela.
Não é a primeira vez que a estilista de 41 anos dá destaque para os pés. Enquanto Diane von Furstenberg ficou famosa com o vestido envelope e Kate Spade com a volumosa bolsa de nylon, a versão descolada de Comey para um alvo pouco provável o tamanco ajudou a transformá-la em um ídolo de estilo de uma "entidade" relativamente nova: os fashionistas do Brooklyn. Ao acrescentar faixas de cores, toques de metal e até asas, ela conseguiu elevar o calçado grosseiro a uma peça confortável e cobiçada.
Agora, um novo grupo de mulheres do meio artístico se formou para idolatrar suas roupas. Dias antes da visita de Gyllenhaal, Zosia Mamet também passou pelo estúdio (ela comprou uma calça de couro curta verde no melhor estilo "lederhosen"), assim como Rashida Jones, que definiu em um e-mail as peças de Comey: "São femininas sem serem explícitas. Simples, bem estruturadas e incrivelmente vestíveis, mas nunca sem graça. Tanto que toda vez que estou usando uma peça feita pela Rachel, alguém faz um comentário ou pergunta de quem é."
Apesar disso, Comey, que começou sua linha própria há doze anos, continua sendo ignorada pela corrente dominante da moda, sem ganhar destaque na Vogue nem conquistar investidores famosos. Na verdade, ela construiu seu negócio que garante ter faturado US$5,6 milhões no ano passado cultivando uma relação pessoal com os clientes, que falam de suas roupas com um tom de fidelidade usado por fãs em apoio a um artista ainda desconhecido.
- Muitos estilistas são motivados pelo comércio - , explica Jade Lai, dona da boutique Creatures of Comfort, que cita a Rachel Comey entre suas marcas mais vendidas, - e não estou dizendo que ela não seja, mas suas criações são... são 'feinhas descoladas', tipo, ela assume riscos que podem não agradar às massas, e esse detalhe encanta muita gente. -
A estilista estava usando calça pula-brejo de estampa de leopardo, uma camisa social azul e oxfords. Suas sobrancelhas escuras são expressivas e ela tem o jeitão espontâneo de quem está sempre fazendo várias coisas ao mesmo tempo. Enquanto a mulherada se amontoava no vestíbulo do estúdio para espiar seus maiores sucessos como o tamanco e a bota de cano curto Mars ela dava uma olhada em um livro de amostras de tecidos peruanos que tinha acabado de chegar e ficou de olho em uma estampa de poodle para a temporada pré-outono/inverno. - Vou ver como a Maggie está - , anunciou.
Gyllenhaal estava admirando uma calça folgada de brim e um tailleur em algodão ferrugem. As peças de moda para o dia, às vezes, podem parecer sem graça ou estranhas no cabide (tanto quanto o vestido envelope de Furstenberg), mas, como a estrela descreve, "elas preenchem aquela necessidade que você tem de ficar bonita, mas ao mesmo tempo poder sair pela cidade, entrar e sair do metrô, pegar os filho na escola e ainda encontrar uma amiga para tomar café."
Ela descobriu que a calça de brim era larga demais na cintura, mas encomendou dois caftãs. - Tenho que correr - , anunciou, dirigindo-se para a cesta de frutas que havia sobre uma mesa. - Posso pegar essa maçã? -
Alguns dias depois, acompanhei Comey até sua casa, um loft espartanamente mobiliado. Quando entramos, o namorado, Sean Carmody, estava dando banho nos dois filhos do casal. Ele trabalha para ela ("Eu me divido entre a direção artística e a limpeza", brinca) e geralmente vai para casa para pôr os pequenos na cama Bruno, de três anos, e Dries, de um, que ganhou o nome do estilista belga Dries Van Noten depois que o pai de Comey, um corretor de seguros aposentado, estava folheando uma revista de moda. - Ele virava as páginas, falando alto os nomes que lia, tipo: 'Stella, Tilda..' e eu já pelas tampas. Aí ele chegou no Dries e, por algum motivo, achei que o nome ficaria meigo em uma menina. -
Comey, cuja mãe é dona de casa, é a filha do meio de um trio que cresceu no subúrbio de Hartford, em Connecticut, e estudou escultura na Universidade de Vermont. Nos registros da turma, um professor a descreveu como "visionária", mas "não uma das descoladas".
Depois da faculdade, ela ficou em Vermont e trabalhou para uma galeria de arte. Aos 26 se mudou para Nova York, arrumou um emprego como consultora de moda na Theory e começou a fazer as roupas de palco para a banda do namorado da época, a Gogol Bordello. Os modelos chamaram a atenção de um estilista, que usou uma de suas camisas em David Bowie para a aparição do músico no "The Late Show With David Letterman."
Comey transformou o projeto paralelo em uma coleção de roupas masculinas, mas quando o CEO da Theory, Andrew Rosen, descobriu a novidade, simplesmente a despediu. Segundo ela, ele disse: - Por que não me contou? Eu a teria ajudado - . (Rosen disse não se lembrar da conversa.)
Em 2004, ela criou também uma coleção feminina, produzindo a maior parte das peças em Nova York. E conta que financiou o projeto graças a vários cartões de crédito e sem nenhum funcionário, a não ser um estagiário chamado Hero. No início, seu ateliê dizia que não havia clientes nos EUA para as suas peças (90 por cento de suas vendas eram para o Japão), por isso resolveu procurar lojistas como Lai e Jen Mankins, da Bird in Brooklyn, que atraíam o tipo de mulher que queria vestir.
Mankins reconta o sucesso de Comey antes do tamanco, em 2008, quando a estilista introduziu a Penpal, bota de cano curto que vendeu tão rápido que gerou até lista de espera. - As clientes viam uma garota estilosa usando e queriam saber de quem era. Foi o que ajudou a firmar seu nome. - E acrescenta que hoje em dia trabalha com trinta modelos semelhantes a de outros estilistas.
A linha virou febre entre as jovens atrizes de Hollywood que começaram a se mudar para o Brooklyn, como Michelle Williams e Gyllenhaal, que comprou quatro pares da tal da botinha antes de embarcar em uma viagem de um mês, em 2009, para promover o filme "Coração Louco". Miranda July, que talvez seja o símbolo dessa geração indie, descobriu o trabalho de Comey na Creatures of Comfort de Los Angeles. - As roupas dela acabam se tornando aquele coringa no armário, sabe? Tenho um short que usei até gastar, literalmente. Já fez dois buracos atrás. -
Entretanto, temporada vai, temporada vem, e suas coleções são relacionadas apenas como "esquisitas", nada mais além disso. Comey anda tão cansada de ouvir sempre a mesma coisa que ela e a atriz Parker Posey, que também recebe a mesma descrição, brincam dizendo que deviam lançar uma parceria para criar um perfume como esse nome.
- No começo eu ficava bem chateada porque essa ou aquela peça não chamava a atenção, mas hoje já não ligo mais - , resume.
Moda
Com a ajuda de clientes do meio artístico, Rachel Comey começa a ganhar espaço na moda amercana
Mesmo sendo ignorada pela corente dominante da moda, com relação pessoal e roupas de qualidade, estilita de 41 anos conquista consumidoras fiéis
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