Nesses tempos em que as mulheres, finalmente, se tornaram assunto, o tema salta aos olhos. No final de semana, entre cinema, teatro e música, não me faltaram situações/cenas para refletir. Vi, em streaming, As Sufragistas, filme de 2015, que eu tinha deixado passar. Desta vez, aceitei a sugestão da Netflix que ficava gritando no meu e-mail e sofri com as mulheres inglesas que, no início do século 20, lutaram até a morte para conseguir o direito ao voto, a guarda dos filhos e o direito de administrar os próprios bens. Entre personagens reais e fictícios, mostra os absurdos enfrentados até a vitória, que só viria em 1928.
A condição feminina da época, vista com o distanciamento de um século, parece impensável. E, no entanto, como mostram os créditos finais, muito dela se mantém.
Na outra sessão de cinema, desta vez na tela grande, assisti a The Post – A Guerra Secreta. Mais do que como jornalista, foi a identificação com a personagem da já premiadíssima (e candidatíssima também ao Oscar) Meryl Streep que acabou batendo em mim. O início dos anos 1970 também não dava moleza para as mulheres, mesmo em se tratando da herdeira de um império jornalístico como a Kat Graham de Meryl, alçada ao cargo de publisher do The Washington Post do título quase por acaso. Está ali o desdém com que eram tratadas, como se incapazes de liderar, de comandar, de dirigir. Tanto, que Kat mesma acha que não consegue. Mas há, no longa de Spielberg, uma cena redentora e emocionante. Não vou contar, claro, mas vá preparada(o) para ela.
E muda a manifestação artística, mas o tema persiste. No teatro, ria com o humor que diverte os gaúchos há décadas, com a Sbørnia Køntr'AtRacka, que encerrou temporada no São Pedro no domingo, quando o maestro Kraunus Sang (Hique Gomez) "repreendeu" no palco a professora/pianista Nabiha (Simone Rasslan): "Mas essa mulher não obedece a homem nenhum", disse ele, obviamente no tom das brincadeiras que transformaram em clássico o espetáculo que deu origem ao seu personagem, Tangos & Tragédias.
A frase fez o público vir abaixo, especialmente as mulheres, que aplaudiram como em nenhum outro momento.
Para encerrar o final de semana, acompanhei só um trechinho da entrega do Grammy, o prêmio da música.
O suficiente para perceber artistas usando rosas brancas, símbolo para apoiar a campanha #TimesUp, que combate o assédio sexual e que fez atrizes vestirem preto no Globo de Ouro. A flor branca, entre outros motivos, foi escolhida também para lembrar a cor usada pelas sufragistas nos protestos.
As rosas me fizeram voltar uns 20 anos no tempo, neste texto que já passou pelo início do século 20, pelos anos 1970 e pelo último domingo... Eu viajava com minha prima Eneida e iríamos de Roma a Nápoles de trem – nosso destino, na verdade, era Pompeia. Ao comprarmos o bilhete, nos perguntaram se queríamos "mesmo" ir. Não tínhamos razão para não embarcar. Fomos. Na porta do trem, recebemos rosas vermelhas e nos sentimos muito especiais, como turistas e mulheres. No nosso vagão, só havia homens. Como não sabíamos quem costumava frequentar o trajeto, estranhamos, mas não a ponto de estragar nosso passeio. Assim foi na ida e na volta. Rosas de ponta a ponta. Contávamos vantagem no jantar quando nossos anfitriões nos interromperam para que víssemos uma reportagem na TV: naquele dia, rosas eram distribuídas para as passageiras que iam de Roma a Nápoles após inúmeros casos de assédio e, se não me engana a memória, uma morte ocorridos a bordo. Nossa ignorância salvou o passeio, mas nos expôs a um risco inimaginado.