Nos dias em que estive fora do ar fazendo exames e tratando das dores decorrentes do acidente que sofri na semana passada, aproveitei para conhecer a Suécia e seus políticos. Viajei nas asas do livro Um país sem excelências e mordomias, da jornalista Claudia Wallim (Geração Editorial).
O livro, de 2014, estava na minha fila desde o ano passado. Não é lançamento, portanto, mas pode ser lido a qualquer tempo. Na Suécia, as coisas não mudam na velocidade da política brasileira, em que um livro de 2014 estaria totalmente desatualizado menos de dois anos depois.A capa traz a foto do ministro das Relações Exteriores, Carld Bildt, pedalando sua bicicleta a caminho do gabinete.
O subtítulo resume o livro: "Na Suécia, os políticos ganham pouco, andam de ônibus e bicicleta, cozinham sua comida, lavam e passam suas roupas e são tratados como "você". Já no Brasil...
"País com uma das cargas tributárias mais altas do mundo, a Suécia devolve serviços públicos de excelência e é uma sociedade das mais igualitárias do planeta. Igualdade na parte de cima da régua, que fique claro. Um professor de escola primária, por exemplo, ganha cerca de US$ 4 mil, mais da metade do salário de um deputado. Um policial recebe US$ 4,6 mil, um juiz US$ 7 mil.
E ninguém tem penduricalhos como auxilio-moradia, vale-alimentação e outros benefícios que no Brasil compõem a renda de quem está no topo. Claudia Wallim usou no livro as entrevistas que fez para o Jornal Band. E mostra que deputados, ministros e autoridades em geral levam uma vida parecida com a da maioria dos cidadãos. Não têm carro oficial, nem voam na primeira classe.
A exceção é a família real, uma realeza discreta, sem os escândalos que caracterizam outras monarquias. É na comparação entre as mordomias de que desfrutam os políticos brasileiros e a vida quase franciscana dos políticos suecos que se abre um abismo. Os membros do parlamento sueco só têm direito a apartamento funcional se tiverem base no interior. São imóveis do tipo quitinete, em que o sofá da sala vira cama durante a noite.
O parlamentar lava a própria roupa na lavanderia coletiva do prédio. E passa as camisas, limpa a casa, cozinha o próprio jantar, se não quiser comer fora. Não existe a possibilidade de comprar pipoca ou jantar em restaurante tailandês e apresentar a conta ao contribuinte. Os gabinetes dos parlamentares são minúsculos. Para receber visitas é preciso reservar uma sala de aula comum.
Os assessores servem a grupos de deputados. Nenhum tem secretaria particular para marcar passagens ou reservar hotéis. Mordomia é ter um passe livre para viajar sem pagar nos transportes públicos. Visto da nossa perspectiva, o jornalismo político na Suécia é um tédio só. O que seria um escândalo? Claudia Wallim cita vários. Uma deputada do Partido Verde virou manchete porque usou táxi (e não trem) para voltar para casa.
Um deputado levou a namorada para morar com ele e não pagou os 50% do aluguel que deveria porque ela não é pessoa pública e, portanto, não poderia viver às custas do Estado. Em 2006, duas ministras caíram dias depois de assumir o cargo porque a imprensa investigativa descobriu que, no passado, empregaram babás sem pagar os direitos trabalhistas e os respectivos impostos. Outro delito imperdoável: não pagar a licença da TV pública.
No país que inventou a transparência nas contas públicas e criou a figura do ombudsman não existem gastos secretos, cartões corporativos mantidos a sete chaves em nome da segurança nacional, presentes caros para comprar vantagens. Parece um país de ficção, mas Claudia Wallim conta o que viu, morando lá e encontrando deputados em paradas de ônibus e estações de trem.
Domingo digital
Suécia, um país onde os deputados lavam as próprias meias
É na comparação entre as mordomias de que desfrutam os políticos brasileiros e a vida quase franciscana dos políticos suecos que se abre um abismo
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