Não é proibido sonhar. Nem é proibido ter pretensão. Então permitam que eu sonhe com a morte e tenha a pretensão vaidosa de um enterro digno. Quando eu morrer, quero à beira da sepultura todos os meus amigos e alguns dos meus inimigos arrependidos. Prepotentemente, desejo que a RBS transmita as cenas finais do sepultamento, um microfone de rádio e uma câmera de televisão, instrumentos que marcaram tanto a minha vida, devem estar atuantes no desenlace. As emissoras concorrentes podem também – isso será inevitável na minha morte – fazer a cobertura do evento. Já tenho a lista dos cinco oradores que designarei para a beira do meu túmulo. Um é orador nato, escolhi-o para dar solenidade à ocorrência. O segundo orador vai falar pelos boêmios que me acompanharam ao tempo em que eu era boêmio. O terceiro recitará um poema de Augusto dos Anjos, terrível poema, que versará sobre a minha necropsia, constando dele o seguinte quarteto: "Tome, doutor, esta tesoura e corte/ minha singularíssima pessoa/ que importa a mim que a bicharia roa/ todo o meu corpo após a minha morte".
Sepultamento
Lágrimas de saudade
Quando eu morrer, quero à beira da sepultura todos os meus amigos e alguns dos meus inimigos arrependidos
Paulo Sant'Ana