Então eu sou dirigente de futebol e consulto meu treinador para contratar goleiro ou dar chance a um talento da base na posição. Pergunto ao técnico que tipo de jogador ele prefere. Brincalhão, me responde: o tipo que não toma gol.
Sorrio da boa sacada, reitero a pergunta, o profissional ainda brinca, mas fala mais sério: o tipo que não toma frango. Replico que gostaria muito de encontrar este cara de luvas que só leva gol indefensável, ainda que saibamos ambos que este goleiro também não existe.
Passamos a procurar um profissional que até sofra gols defensáveis, eventualmente um frango, mas em momentos onde a falha fique diluída porque o time está com folga no placar e o erro não faça diferença no resultado final.
Na cena fictícia que criei para começar coluna sobre goleiros, apresento o dos meus sonhos. Se me autorizar a ousadia de falar em nome de mais gente, creio que dirigentes, treinadores e torcida fechariam acordo por goleiro com quem sempre se pudesse contar na hora grande. Em resumo, um goleiro pelo qual eu poderia ser campeão, mas que jamais me faria perder um título por um erro seu.
Artigo raríssimo no mercado porque goleiro, humano que é, vai errar e não terá domínio sobre o contexto em que sua falha vai acontecer. Dependerá dos astros, do seu carisma, do aleatório. Mesmo este goleiro que só errasse quando não fizesse diferença teria fases em que sua falha seria comprometedora.
Exemplo clássico: nunca houve nem haverá goleiro tão campeão pelo São Paulo como Rogério Ceni. Na final da Libertadores de 2006, o primeiro gol do Inter no Beira-Rio decorre de um erro de Ceni que causaria horror até no Arariboia. Bola fácil que escorrega das suas luvas, Fernandão pega o rebote e guarda.
Meio ano antes, Rogério Ceni tinha garantido o título mundial do São Paulo contra o Liverpool em Tóquio pegando o que não dava para pegar. Em 1989, na primeira edição da Copa do Brasil, Mazaropi fez gol contra na final e cede o empate ao Sport Recife.
O Grêmio foi campeão mesmo assim. Seis anos antes, o goleiro tinha sido protagonista nos títulos da Libertadores e do Mundial do Grêmio. Não há para onde correr. Goleiro, mesmo o melhor, vai errar. Sua carreira será tanto mais bem-sucedida quanto menos os erros impactarem o resultado final do seu time.
Significa que goleiro vive da confiança que lhe for depositada. Quanto mais confiante, mais acerta. Quanto mais inseguro, mais próximo está da próxima falha ou frango. Por isso que a patética decisão de Vagner Mancini estabelecendo rodízio entre Brenno e Gabriel Grando no início deste ano não tinha como dar certo.
Grêmio e Inter discutem, no fim desta temporada, com que goleiro vão para 2023. No Inter, Daniel chegou a dar esperanças de que seria dono da posição, mas uma lesão interrompeu sua trajetória ainda no fim do ano passado. Depois, nunca mais retomou aquele padrão e agora está perdendo, pelas razões do campo, a posição para Keiller.
Caso Mano Menezes dê sequência ao novo titular e sua resposta seja positiva, contratar goleiro para o ano que vem deixa de ser prioridade para quem conta o dinheiro na hora de investir. No Grêmio, Brenno ganhou o lugar de Grando ainda com Roger Machado.
Convocado para a seleção olímpica que ganhou medalha de ouro, jovem e enorme potencial, o que ele precisa é jogar, jogar e jogar. Com tantas necessidades urgentes para enfrentar a Série A sem sobressaltos, seria de enorme insensatez gastar onde não há por quê.
Não significa que Brenno e Keiller, em campo sábado contra o Londrina e domingo contra o Goiás, estarão imunes à falha e ao frango. Goleiro se afirma superando uma e outro, reagindo com personalidade ao acidente de trabalho.
Nos meus 58 anos de idade, vi o maior de todos no Brasil, Manga, levar frango na estreia pelo Inter contra o Vasco no Maracanã. Antes, no Botafogo, foi perseguido por João Saldanha com revólver em punho porque o então treinador acreditava que Manga tinha tomado gol de propósito em troca de dívida de jogo de cartas.
O segundo maior que vi jogar no Brasil, Leão, sofreu constrangedor frango pelo Grêmio contra o Vasco em São Januário. Taffarel, um dos maiores da história no país, sofreu em Gre-Nal um gol espírita de Jorge Veras.
O fenomenal Donnarumma, recentemente, errou um passe na pequena área contra o Real Madrid e com esta falha bisonha fez ruir o PSG no Santiago Bernabéu, foi eliminado na Liga dos Campeões. O italiano continua titular no time francês, questão de convicção.
. No caso de Grêmio e Inter, fizesse eu o exercício com que abri a coluna, não contrataria goleiro para o ano que vem, a menos que o mercado absorvesse Grando e Daniel.
Aí, caso não houvesse certeza quanto ao novo goleiro reserva, contratar poderia ser uma opção. Quando Taffarel virou titular no Inter pela corajosa decisão de Daltro Menezes em 1985, o Inter havia contratado Roberto Alves, que tinha passagem pela Seleção.
Marcelo Grohe e Alisson, em momentos e clubes diferentes, sucederam o grande Dida. Só aconteceu porque tiveram a oportunidade. Sem dinheiro para trazer goleiro indiscutível — se é que ele de fato existe —, Grêmio e Inter não deveriam cogitar gastar errado.
Há posições de linha num e noutro que merecem 10 vezes mais atenção. Palavra de quem brincava de goleiro e, enquanto esteve ativo, fez raros milagres e engoliu incontáveis frangos. Vida de goleiro é especialmente dura. Acredite.