A coluna precisa começar fechando acordo com quem a lê: não era para ser assim. A forma como o Grêmio vai subir é constrangimento adicional à queda consumada ao fim do ano passado. O sofrimento de todo Brasileirão Série A 2021 ganhou requintes de crueldade no ano seguinte, à medida em que o acesso que deveria ser natural virou prova de maratona.
Com a folha disparadamente mais alta da Série B, o Grêmio jogou futebol de Série B quase todo o tempo. Ainda assim, tamanha diferença de qualidade comparada à dos demais concorrentes acabou por desembocar na tarde deste domingo. A RBSTV transmite o penúltimo capítulo da saga. Vendo o Grêmio jogar, quem há de garantir que é capaz de vencer com normalidade o Náutico na reedição constrangida da Batalha dos Aflitos?
Renato Portaluppi é só uma das incertezas da próxima temporada. Mesmo quem o admira no nível máximo talvez vacile em bancá-lo como melhor solução para um recomeço que deixe para trás tudo o que aconteceu recentemente na Arena. Ao mesmo tempo, é possível entender o medo que cada gremista pode ter de uma nova aventura que prescinda do ídolo e tempo depois ele seja chamado para evitar o pior outra vez.
Os outros três clubes que sobem para a Série A terão dinheiro externo. Quem chega terá todo o interesse em investir o suficiente para garantir permanência na primeira divisão, pilar essencial para qualquer planejamento futuro de crescimento.
O Grêmio, ao contrário, precisará contar com os próprios recursos, o que no momento significa pouco poder de investimento diante da necessária cirurgia que o elenco precisa. O novo presidente terá que trazer titulares e reservas. O combo não terá menos de 10 contratações.
Cinco delas para o time titular, sem discussão. A eleição acontecerá ainda depois do acesso, o novo presidente tem como missão prioritária já ter ideias prontas para praticá-las no primeiro dia de mandato. Houvesse certeza absoluta na figura de Renato, seria um problema a menos. Porém, não basta ao novo presidente decidir-se por Renato.
É preciso entender que manter o ídolo significa renunciar ao poder dentro do vestiário. Renato Portaluppi quer a chave, não abre mão dela e não disfarça. Sequer está errado, combinemos, se a comparação se estabelecer com alguns dos grandes clubes do mundo o futebol é terceirizado ao treinador. Guarde as proporções que quiser o leitor ou a leitora, Klopp e Guardiola comandam o processo todo no Liverpool e no Manchester City.
Renato teve sucesso no Grêmio, linha direta com Romildo Bolzan que se materializava a cada vitória com o recíproco beijo na testa entre o treinador e o presidente. Chamado para salvar o Grêmio do risco de não subir, Renato atendeu por identificação com o clube e, não sejamos ingênuos, por um dinheiro espetacular que lhe foi oferecido para cumprir a missão.
A condição negocial de Renato no fim desta temporada é extraordinária. A questão será menos o salário e mais a autonomia. Caso esta equação se resolva logo, o presidente que assume vai para o mercado contratar. Se a negociação se arrastar ou for encerrada, a ida ao mercado priorizará o novo treinador e só depois os reforços. Atraso à vista.
Enquanto escrevo, me dou conta de que projeto o 2023 gremista na certeza do seu acesso, mas não posso abandonar o constrangedor presente em que a matemática ainda não confirmou minha premissa. Não duvido que o Grêmio jogue para pontuar em Pernambuco e deixe para ser ousado contra o Tombense em Muriaé na próxima sexta-feira.
Com os ombros largos que têm para suportar pancada, Renato Portaluppi não se impressiona com o que se diz no microfone ou se escreve na coluna. Quando a classificação se materializar, dirá na entrevista seguinte que fez do seu jeito, que estava previsto o sofrimento e que, cereja do bolo, sempre confiou no seu grupo.
A partir daí, finalmente, começará o 2023 do Grêmio, que terá o rival na fase de grupos da Libertadores e, antes, um Gauchão que vira de saída o título mais possível de ser conquistado para os dois gigantes. Vai ser duro para quem veste azul. O ano que vem traz desafios que só a imortalidade não vai resolver.
O campeão da Copa do Brasil
A candidatura de Dorival Júnior ao cargo de Tite está de pé com a taça conquistada diante do Corínthians e certamente se reforçará se vier a faixa de campeão da Libertadores no armário. Porém, a ida aos pênaltis para confirmar o favoritismo piscou um alerta para o futuro.
O Flamengo tão superior em peças careceu de soluções táticas para reverter o crescimento corintiano durante o jogo. Faltou repertório. Pode ter sido episódio isolado que o tri da Libertadores soterre ao natural, mas aconteceu, sim.
Gosto do jeito do treinador do Flamengo e creio que seria hoje a melhor opção depois de Abel Ferreira. Afora estes dois, qualquer nome vai carecer de unanimidade e terá que provar capacidade sob olhar desconfiado da torcida brasileira a partir de março do ano que vem.