Por quanto tempo durarão entidades paralelas ao clube cuja existência está supostamente justificada por um apoio incondicional ao time do coração esteja ele em que posição estiver? Em que momento estes movimentos organizados na melhor das intenções ganharam vida própria e suas lideranças perceberam que tinham ouro em mãos? Como evitar que integrantes destas células se infiltrem legitimamente no poder oficial do clube na forma, por exemplo, da eleição de conselheiros cuja origem está na estrutura própria montada para torcer? Aliás, por que razão é preciso instituir uma entidade para torcer por outra? Em que instante histórico os cânticos passaram a fazer referência à própria torcida organizada e até produto próprio ela passou a ter concorrendo claramente com o suposto clube do coração?
Uma coluna de fim de semana não deveria começar com tantas perguntas sem resposta, mas me dei o direito. Afinal, na quinta-feira (10), a Polícia Civil apresentou o sujeito que teria atirado a pedra contra o ônibus do Grêmio dois sábados atrás. A delegada Ana Caruso foi cirúrgica na investigação. Esperou formar prova robusta para pedir a prisão preventiva. Tão robustas são as provas que a prisão preventiva foi concedida. Outros quatro supostos torcedores foram ouvidos, e não presos, por incitação à violência. A delegada ouviu de mais de um deles a seguinte pérola: "Eu não sabia que era o ônibus dos jogadores. Se soubesse, não teria jogado nada." Ora, então está estabelecido um novo padrão de comportamento na cabeça oca destas pessoas.
Por este padrão, seria razoável atirar objetos na direção do ônibus se fossem torcedores rivais que estivessem lá dentro. Cômico, não fosse patético. Então, você que me lê, entendi que era hora de voltar a este tema recorrente que me intriga sobremaneira. Por que diabos existe torcida organizada se toda cena de violência tem vinculação com integrantes destas facções?
Pode ter havido um tempo romântico lá atrás em que, como contou David Coimbra no Sala de Redação outro dia, as salas eram contíguas num prédio do centro da cidade e um ajudava o outro se faltasse material para confeccionar as faixas. Pode ter havido relevância histórica em pelo menos uma delas, a Coligay, que nos anos 70 teve a audácia de bancar o direito de gremistas homossexuais de frequentarem o Olímpico sem que fossem vítimas de violência ou humilhação.
Porém, o passar dos anos revelou a pior face das organizadas. À medida em que a sociedade como um todo ficava mais violenta, estas células ficavam também. Por muitos anos, dirigentes dos gigantes gaúchos foram omissos ou coniventes com o crescimento silencioso destes organismos cada vez mais poderosos. Por entender que não eram perigosos ou de medo justamente por serem perigosos, o dirigente de lá e de cá foi deixando crescer. Houve quem se beneficiasse do surgimento de uma organizada para se eleger. Não duvido que existisse, no princípio, a angelical intenção de se organizar para viajar e apoiar o time em qualquer lugar. Estando juntos e identificados, estes torcedores poderiam se sentir mais seguros. Entretanto, o passar do tempo foi construindo relações ambíguas entre o clube e as organizadas. Tanto viveram situações de torcida oficial quanto de oposição à direção vigente com ameaças veladas ou nem tanto.
Onde foi que se perdeu o princípio de origem, não sei. O certo é que, em março de 2022, não faz sentido haver torcida organizada tal como hoje se apresenta. Poderosa, ameaçadora e incontrolável, ela não agrega e torna beligerante o ambiente do estádio. Sei que os bem intencionados que integram estas torcidas podem se sentir injustiçados pela generalização, me desculpo por isso, mas um valor mais alto se levanta. Se todo o episódio violento no estádio ou em torno dele tem vinculação com torcida organizada, é preciso agir duramente. Este atentado ao ônibus do Grêmio, por exemplo, segundo investigação policial, tem raiz em uma organizada do Inter.
O autor seria integrante de um braço desta torcida em Tramandaí. Antes, no Brasileirão do ano passado, a depredação sofrida na Arena por gente vinda da parte do estádio onde fica a Geral deu ao Grêmio o castigo de jogar partidas fora de casa sem os de bem de sua torcida imensa. Os cânticos racistas ou os homofóbicos que se perpetuam nas arquibancadas têm geografia conhecida. Foram ouvidos ainda quarta-feira passada. Então, senhoras e senhores do Conselho, a pergunta do título e todas as outras do início da coluna se justificam. Organizadas. Para quê?
A rodada final
A lógica dos resultados mais prováveis de Grêmio x Ypiranga e Guarany x Inter indica mais dois Gre-Nais nas semifinais do Gauchão. Neste cenário, um dos gigantes ficará pelo caminho debelando sua crise. O outro, aliviado, avançará para a decisão do campeonato. A amostragem recente apavorou gremistas em geral e intrigou colorados e coloradas. Por que inescrutável razão, afinal, o Inter não teve antes a atitude e o desempenho mostrados no clássico? Bastava um terço do que praticou no Gre-Nal para o Inter empatar com o Globo e seguir na Copa do Brasil.
Enquanto Grêmio e Inter preocupam e intrigam suas enormes torcidas, o Ypiranga sonha com dias nunca antes cogitados. O time de Luizinho Vieira pode ser líder, escapar do confronto com qualquer dos grandes da capital e jogar no Colosso da Lagoa a segunda partida das semifinais e de uma eventual decisão de campeonato. Sem peso algum nas costas, o Ypiranga tem jogado o melhor futebol do Rio Grande do Sul. O futuro imediato dirá se é episódio fugaz ou o nascedouro de um outro foco de excelência no futebol gaúcho. Estou curioso.